Edi Rock encerra trilogia com documentário e disco ao vivo

27/09/2024

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Erick Bonder

Por: Erick Bonder

Fotos: Divulgação

27/09/2024

Edi Rock, o lendário membro do Racionais MC’s, acaba de lançar Origens 3 – O Show (Ao Vivo), último volume da sua trilogia solo. A empreitada foi iniciada em 2019 com Origens, e conta ainda com Origens Parte 2 – Ontem, Hoje e Amanhã (2020). A apresentação foi gravada na Audio Club, em São Paulo, com participações de Mano Brown, KL Jay, Dexter, Seu Jorge e outros convidados.


Lançado em formato de álbum e DVD, o registro ainda vem acompanhado do mini documentário Edi Rock – Origens (O DOC.). Nele, o artista reflete sobre os 40 anos de carreira, lembra o início da trajetória no hip hop, além de trazer reflexões e depoimentos de parceiros.

Conversamos com Edi Rock sobre o lançamento, sua história com os Racionais e a cultura hip hop do Brasil. Leia a seguir:

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A sua carreira e do Racionais se confundem com a história do rap nacional. Qual é a sua visão sobre a transformação do rap nacional e da cultura hip hop no Brasil? Como você enxerga o seu papel dentro disso? 

A gente sempre esteve por ali, de uma forma ou de outra. Sempre falo isso em entrevistas, que é um bagulho natural, a gente quer estar, quer fazer parte, e a gente fez parte desde o início. É algo que a gente gosta, ama muito. Daqui a pouco, vou fazer 60 anos e ainda amo tocar todo santo dia. Como é que um cara vai fazer 60 anos e ainda quer tocar como se tivesse 30? Com o mesmo ritmo, o mesmo empenho, dedicação, responsa, profissionalismo e, principalmente, respeito? Respeito à profissão, respeito a si mesmo, respeito à plateia e aos fãs, às pessoas que estão te esperando, que aguardam você. É um sentimento de pai para filho. Eu acredito nisso. Por isso que a gente tá aí até hoje. A força do rap é muito presente e nós somos o rap. É um ciclo de oportunidades, emprego, uma corrente, uma ideologia, uma filosofia que vai além da música. Para nós, começa na música, mas vai para as necessidades diárias, políticas, na atuação do corpo, na mensagem. E a gente ainda trabalha com a nova geração, tanto os que estão na mídia, quanto os que estão na quebrada.

Você sente que existe uma continuação do trabalho iniciado há 40 anos? 

Esse papel, como o de um pai, é involuntário, é instinto. Instinto de sobrevivência, de continuidade, de dinastia. Hoje, estamos presentes junto com os moleques, e só tenho que tirar o chapéu para eles e aplaudir de pé, porque sinto orgulho. Estávamos lá no começo e vimos a precariedade, a falta de estrutura que o rap sempre teve. Viemos de uma formação desacreditada, que aqui é o país do samba e do futebol, mas não do rap. O rap entrou e provou por A + B que merecia fazer parte da cultura, assim como o funk e outros gêneros. O samba, por exemplo, é o símbolo do Brasil, mas também sofreu muito no início. O samba começou a ser mais aceito depois que ele passou pela Bossa Nova, aí foi reconhecido. Mas o samba tem uma história de cativeiro, uma história muito sofrida. O rap também respira um pouco isso. Depende de quem vê, mas para muitos, o rap vem dessa linhagem, dessa luta. São várias interpretações, tá ligado?

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O rap começa na música, mas desemboca na política e na vida das pessoas. Como a música faz parte da formação da individualidade e da coletividade? 

O rap olha para o horizonte. O rap é música, mas vai além disso, é um bagulho que te transforma. Tem gente que nos escuta em Angola, Londres, Portugal, Nova York, Los Angeles e se identifica com a nossa arte. É uma linguagem em comum. Então, não tem fronteiras, pode ser escutado na quebrada, na Cohab, no centro, no condomínio. A mensagem é de fortalecimento, organização, disciplina, força de guerra, batalha, exército, tribos. Eu acho que é isso que a gente representa. Tem músicas que viram hinos, tem letras que você escreve e o Brasil inteiro sabe cantar – isso muda vidas. A música não é só entretenimento, é transformação, educação, política. É tudo junto. Quando alguém ouve uma letra e aquilo mexe com a pessoa, ela passa a enxergar o mundo de uma maneira diferente. Ela encontra força e coragem. Então, a gente acaba, de certa forma, mudando o destino de muita gente.

O Racionais MC’s é um dos pilares da música no Brasil. O que mudou nessas quatro décadas? 

Entrou a prosperidade. Veio o cash, certo? Surgiu a máquina da indústria. Quem é que está sustentando essa máquina hoje? É o sertanejo e o rap. E quando eu falo do rap, falo também dos nossos filhos, um deles é o trap. Tem que tirar o chapéu, porque é um bagulho que começou minúsculo, na Estação São Bento, juntando várias regiões de São Paulo para se encontrar nos fins de semana. E olha só o que se tornou. Não falo só do Brasil, isso já foi importado, a gente recebeu isso através do oceano. O nosso papel foi entender essa linguagem, vestir a camisa, respirar o oxigênio, esse espírito que a nossa música cria. A nossa arte faz com que todas essas transformações sejam possíveis. O bagulho é espiritual, por isso vai além da música. A gente vai morrer e isso vai continuar. Já se perpetuou por meio século, e eu acho que tem mais meio século pela frente. 


Falando do “Origens 3”: ele encerra a trilogia. Por que finalizar com um disco ao vivo?

Mano, eu não decido nada sozinho, tenho uma equipe muito boa que me orientou. Eles me deram essa estrutura ao longo desses anos de compromisso com a gravadora. Desde o começo, a gente sempre quis manter um nível de qualidade bom. Manter a raiz, a essência do Edi Rock, que vem do Racionais. Manter a mensagem e o conceito, tá ligado? Eu vou na contramão, dá pra ver isso nos meus álbuns. São extremamente fora do algoritmo. Então, tudo isso foi analisado. “Como a gente quer o Edi Rock?”, O Edi Rock é tipo uma entidade, tá me entendendo? Eu represento muita coisa, represento São Paulo. Eu sou um dos pilares do hip hop de São Paulo. Tem muita responsa envolvida. Isso foi visto desde o início. No começo, eu nem tinha a minha produtora, a Roxette, que foi fundada no meio da caminhada. Comecei a acompanhar de perto e administrar isso. Porque a carreira e os álbuns são como um negócio, tem que saber administrar para não perder a mão. Quanto mais envolvido eu estiver, mais original é o som. Eu, como um dos pilares, me preocupo em passar originalidade para as músicas, independente de onde eu esteja, seja numa gravadora pequena ou numa multinacional, como a Sony Music. Tudo isso foi levado em conta na hora de finalizar a trilogia com o DVD do show. É muita ideia, não é apenas música, é representatividade. Então, no minidocumentário, eu propus a ideia de trazer um pouco da intimidade, dos bastidores, trocando uma ideia, pensando alto, para quem quiser ouvir.

Como é lançar algo fora do Racionais?

Mesmo não estando no Racionais, eu sou Racionais. A responsa é dobrada. No grupo, a gente divide as responsabilidades em quatro, mas sozinho, a responsabilidade dobra ou triplica. No início, quando decidi ter carreira solo, foi uma virada de jogo arriscada. Foi um divisor de águas.Tudo isso culmina no DVD, que eu nem sei se vou fazer outro na vida. Esse registro é um marco da caminhada, onde revisitei minha infância, meus amigos, minha adolescência, lá no começo de tudo. Então, é isso, ele carrega o espírito presente: o espírito de guerra, de batalha, de força, da música, da nossa raiz no rap de São Paulo.


O que você espera do futuro?

A cada hora a gente solta algumas pérolas, mas algo igual a esse talvez não role novamente, conseguir lançar o DVD e o documentário para contar a minha história e dividir coisas que nunca tinha aparecido. O projeto é como um satélite. O foco é sempre na nave-mãe, tá ligado? No Racionais, no “general”, nos projetos maiores, a gente está em estúdio. A minha missão é fazer coisas boas, parcerias com outros artistas que representam a música brasileira, fazer o rap do jeito que só nós sabemos fazer. O rap do Brasil é único. Tem rap em todo o planeta, mas o do Brasil é único. E fazer isso é uma honra.

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27/09/2024

Erick Bonder

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