Não é por acaso que Del the Funky Homosapien é considerado uma das figuras mais importantes do cenário hip hop alternativo dos Estados Unidos. Criador do coletivo Hieroglyphics nos anos 90 e do projeto conceitual Deltron 3030 na década seguinte, o rapper soma outros sete discos solo e uma participação mais do que especial no disco de estreia do Gorillaz. Del foi quem se juntou a Damon Albarn para a gravação do maior hit da banda, a música “Clint Eastwood”.
Às vésperas de dar as caras com mais um novo projeto, o Beatintel Pro ao lado de Lady Mecca (ex-Digable Planets), Del the Funky Homosapien esteve no Brasil para mostrar que não é só de hip hop que ele entende. O veio para cá para lançar a sua própria linha de tênis e também aproveitou os dias que passou por aqui para andar de skate e arriscar novas manobras.
E foi numa pista indoor totalmente desconhecida que nos encontramos com Del para um bate-papo sobre rap, skate e – como não poderia de ser diferente – o passado e o futuro do Gorillaz.
Você veio ao Brasil para lançar uma linha de tênis. Você poderia nos contar um pouco mais sobre isso?
O Rafael Narciso, roprietário da ÖUS, é um grande fã do meu trabalho. Na última vez que eu vim para o Brasil, mais precisamente para São Paulo, ele me convidou para trabalharmos juntos e eu achei a ideia incrível. Ele ia me perguntando o que eu queria para um tênis com o meu nome, que tipo de design deveria ter, e a gente foi trocando ideias até que o modelo ganhasse a sua forma. A última coisa que fizemos foi definir as cores. Ao todo, criamos três pares diferentes e mais um deve ficar pronto em breve.
No Brasil, voocê se apresentou numa pista de skate e estamos num ambiente muito parecido. Qual é a sua relação com o skate?
Eu tenho 41 anos hoje e acho que comecei a andar de skate com doze. O skate sempre fez parte da cultura de uma região chamada baía de São Francisco, que foi onde eu nasci. Então, eu posso dizer que eu cresci com o skate e que ele é uma das minhas raízes. Nunca participei de competições, nunca treinei para isso. Na verdade, de uns dois meses para cá é que eu comecei a praticar mais, tentar umas manobras. Mas tudo isso como um hobby, porque o skate sempre foi para mim um meio de transporte. Era com ele que eu ia para a escola, ia de um lugar para o outro.
A cultura do skate está muito mais ligada com o punk e o hardcore do que com o rap. O que a sua música possui que atrai tanto esse público tão específico?
Eu costumo dizer que a minha música atrai pessoas como eu. Eu nunca quis entrar no circuito comercial, eu nunca quis ser pop. A minha ideia foi sempre unir música com atitude. Eu acho que é isso, provavelmente, que tenha atraído o público do skate para perto de mim. O que eu sinto é que eu e eles possuímos o mesmo conjunto de valores. Eu também não acho que exista apenas um estilo musical ou uma cultura apenas que esteja ligada ao público do skate. O que existe, em minha opinião, é uma preferência por tudo aquilo que é mais underground. Eu também sou assim.
Você foi um dos criadores do coletivo Hieroglyphics. Como você dimensiona a importância dele para o rap nos Estados Unidos?
Podemos dizer que eu que sou o criador doa Hieroglyphics. Eu que convidei o A-Plus e o Tajai para começarmos o projeto. Nós somos o Hieroglyphics original. Mas sobre a sua pergunta, eu não sei dizer se o Hieroglyphics foi mesmo importante para o rap nos Estados Unidos. O que as pessoas me falam é que nós começamos a dar para o hip hop norte-americano uma cara diferente. A gente buscou um caminho alternativo. Na época, se fazia muita merda, muita coisa ruim. O nosso objetivo era justamente esse, ir na contramão do que era feito. As pessoas, que estavam acostumadas com o rap de Nova York, estranharam um pouco o nosso movimento, que veio da costa oeste, da Califórnia. Nós não fizemos sucesso, mas muita gente me falou que criamos algumas coisas muitas legais. Então, eu não sei o quanto o Hieroglyphics foi importante ou se modificou mesmo o cenário do rap nos Estados Unidos. Nós nunca tivemos esse intuito. O que eu sei é que ele impactou positivamente sobre algumas pessoas e é lembrado até hoje por isso.
Você lançou o seu primeiro disco em 1991, mais de vinte anos atrás. O que tem em “I Wish My Brother George Was Here” que continua presente na sua música até hoje?
O espírito rebelde, com certeza. Eu acho que eu tenho um jeito muito próprio de escrever e de me comunicar com as minhas letras, diferente do que você vai encontrar nos trabalhos do Lil Wayne e do Jay-Z, por exemplo. Eu não falo das mesmas coisas que eles falam. Isso porque eu fui influenciado por muita gente diferente e acabei indo por um caminho bastante particular. O meu primeiro disco fala muito sobre o que passa nas ruas, sobre o cenário urbano das grandes cidades. Eu sempre contei as histórias do meu jeito e isso continua presente na minha música até hoje.
O Gorillaz foi um projeto ambicioso e inovador. Como foi participar daquele primeiro disco da banda, lançado em 2001?
A verdade é que eu entrei para o Gorillaz quando tudo já estava praticamente pronto. Na época, eu estava trabalhando bastante no projeto Deltron 3030 e fui convidado para participar apenas da música “Clint Eastwood”, que acabou se transformando no single principal do álbum. Ela tinha uma pegada rap e eles precisavam de alguém que entendesse do assunto, que pudesse tirar algo melhor do que eles já tinham. A real é que eu fui contratado como um pistoleiro. Eu estava lá para dar um único tiro, rápido e certeiro. Resumidamente, eu cheguei lá para criar uma música em quinze minutos, que ficasse melhor do que a versão inicial que eles tinham feito. Para você ter uma ideia, eu não participei de nenhuma outra música do disco.
O Gorillaz pretende lançar um disco no futuro. Você ainda gostaria de se envolver com o projeto?
Eu não recusaria participar novamente. Na minha cabeça, eles só precisam me oferecer a quantia exata pelo meu trabalho. Eu sou um grande fã do Jamie Hewlett, o cara que desenhou os integrantes do Gorillaz. “Tank Girl”, uma de suas histórias em quadrinhos, é uma das minhas favoritas. Então, seria muito interessante e recompensador para mim trabalhar com o Jamie novamente. Eu nunca ouvi Blur, eu não tive muito contato com o Damon Albarn. Eu não me envolvi com o Gorillaz como se fosse um projeto meu. Eu vim de fora. Eu aceitaria trabalhar com eles novamente por causa do Jamie Hewlett, mesmo que eu ache que isso não irá acontecer. Eu acho que o Gorillaz tentará fazer algo realmente novo e diferente no seu próximo trabalho. Não vai fazer sentido me convidarem ou eu estar ali de novo.
Quais são os seus planos para o futuro? Você pretende lançar um novo álbum em breve?
Eu e a Lady Mecca estamos com um novo projeto chamado Beatintel Pro. A nossa ideia é explorar influências diferentes, buscar um novo caminho dentro do rap e da música eletrônica. Não queremos trabalhar só com seis ou sete notas diferentes. Nós já estamos com tudo praticamente pronto, agora é só uma questão de tempo até que algum selo se interesse em lançar o nosso primeiro disco. Nós esperamos que alguém acredite na gente para que possamos voltar ao Brasil em breve com o Beatintel Pro também.
(Fotos: Fernando Zanoni)