Ser perfeccionista pode ser um defeito, ou não. Atento aos detalhes, o Garotas Suecas lançam “Feras Míticas”, um disco minimalista recheado de funk, soul, tropicalismo, psicodelismo, rock, rap… Enfim, o novo álbum está repleto do Garotas Suecas, uma banda paulistana que evoluiu muito desde o lançamento do disco de estreia, “Escaldante Banda”.
Na bagagem, a banda carrega turnês pelos Estados Unidos, um prêmio de Aposta MTV e elogios nos jornais The New York Times e The Washington Post, além de boas críticas brasileiras também. Antes dos LPs, eles lançaram três EPs: “Hey, Hey, Hey, São os Garotas Suecas” (2006), “Difícil de Domar” (2008) e “Dinossauros” (2009). Em busca de si mesmos, os Garotas Suecas fizeram um trabalho minucioso no novo álbum, desde as composições até os arranjos.
Eles acabam de divulgar o clipe de “A Nuvem”, que conta com as rimas de Lurdez da Luz. O vídeo você assiste logo abaixo da entrevista que fizemos com o vocalista Guilherme Saldanha para conhecer mais sobre as novas aventuras do Garotas Suecas.
“Feras Míticas” é um disco mais minucioso e mais maduro que “Escaldante Banda”. Como foi o processo de evolução da banda desses 3 anos pra cá? Quais foram as experiências mais agregadoras nesse meio tempo?
O “Escaldante Banda” foi lançado no dia 7 de setembro de 2010 enquanto fazíamos nossa última turnê nos Estados Unidos. De lá pra cá muitas coisas aconteceram. Divulgamos esse disco no Brasil e na Europa, participando de festivais fantásticos como o último Planeta Terra no Playcenter e o Primavera Sound em Barcelona. Lançamos o disco por um selo Espanhol que adoramos, a Vampisoul. Trouxemos o Jacaré para o mundo da dança depois de um hiato de cinco anos. Enfim, muita coisa boa. Também tivemos que lidar com a saída do Sessa, que foi morar de novo nos Estados Unidos. Do ponto de vista pessoal, foi um período bem agitado também. Alguns de nós casaram, outros saíram da casa da família, outros abriram um negócio. Acho que tudo isso pode ser encontrado nas faixas do “Feras Míticas”.
As diferenças entre “Escaldante Banda” e “Feras Míticas” começa pelos temas das músicas. Do que esse último disco fala?
Acho que as letras das canções do “Feras Míticas” permitem várias interpretações. “New Country”, por exemplo, foi uma idéia que me ocorreu caminhando por um bairro de escritórios em São Paulo no horário do almoço, com toda aquela gente na rua, carros, barulho. Comecei a pensar em compor alguma coisa que falasse dessa sensação que todos nós estamos sentindo com as transformações que rolaram no Brasil nos últimos tempos. Essa sensação no ar de que agora todo mundo pode se juntar aos amigos, abrir uma agência de alguma coisa e viver a vida sem patrões, fazendo as coisas do seu jeito, apenas com um Mac e uma conexão de banda larga. Conforme a letra veio vindo, percebi que o personagem da música estava formulando um discurso que poderia estar saindo de um traficante de drogas no Rio. E me ocorreu que na verdade o ponto de vista dos dois personagens era o mesmo. Também percebi que poderia ser o discurso de uma banda independente ou de um cara que abriu uma igreja evangélica na sua comunidade. E no fim o novo país da letra são todos estes pontos de vista mirando para a mesma coisa, essa vontade de fazer acontecer não importa o que você tenha de fazer. Foi essa sensação de urgência que eu observei caminhando, essa sensação de que “agora chegou nossa vez…”
O Garotas Suecas são cinco , mas tem mais pessoas que colabora com o som da banda. Como é criar e produzir com tanta gente? A gravação não se torna um processo mais demorado?
O Garotas além de tudo é uma banda democrática e que gere cada detalhe da sua carreira. O que é ótimo mas torna as decisões um pouco mais lentas do que o recomendável. Mas essas colaborações, tanto dentro da banda quanto com pessoas de fora, são importantes para deixar o trabalho mais rico. A colaboração do Nick na produção, por exemplo, foi fundamental para dar um direcionamento para todas essas ideias e vontades.
Vocês já tocaram em vários países pelo mundo. Sentem que é prioridade tocar no Brasil e divulgar o trabalho aqui ou não?
Nosso foco sempre foi o Brasil. A repercussão do nosso trabalho no exterior aconteceu meio que por acaso e a gente tem aproveitado essa onda até agora. Mas nosso trabalho todo está estruturado aqui. A ideia é continuar desbravando alguns lugares aqui no Brasil onde ainda não tocamos e fortalecer nosso trabalho nas cidades que consideramos nossa casa, como BH e Porto Alegre, onde a receptividade ao nosso trabalho já é bem boa.
Qual a importância de lançar um álbum independente, longe de uma grande gravadora?
Não acho que seja importante e nós não fazemos disso uma bandeira. Para nós é apenas um fato. Aliás, nunca recebemos propostas de nenhuma gravadora no Brasil e se eu não tivesse rádio poderia achar que elas nem existem mais… Pelas notícias que temos do mundo “major”, nosso trabalho é muito mais livre do que ele seria se fosse bancado por uma gravadora. Além disso, com uma gravadora na jogada, nós não teríamos tido a oportunidade de desenvolver uma série de habilidades relacionadas ao mundo das artes e da música que nós conquistamos trabalhando de forma independente durante este anos todos. Ser independente significa que você vai ter que sujar as mãos. Conhecer preços de fábricas de vinil e CD, conhecer as cotações de empresas de van, conhecer um pouco de produção têxtil para fazer as camisetas, saber diagramar um encarte e conhecer alguns conversores de áudio digital. Felizmente somos cinco e conhecemos bastante gente talentosa por aí.
Outra característica que chama atenção no “Feras Míticas” são os desenhos do encarte. Da onde saiu a ideia e quem fez os desenhos?
Os grafites e a arte são do Deco Farkas, grafiteiro, artista plástico e designer aqui de São Paulo. Em primeiro lugar o Nick sugeriu que o disco se chamasse “New Country”, já que com o disco novo o Garotas estava desembarcando em um novo território musical. A partir deste primeiro esboço, o Tomaz veio com a ideia de fazer a arte baseada naqueles mapas antigos, em que os territórios desconhecidos continham figuras de feras e povos estranhos. A gente curtiu muito essa ideia e pensamos que arte deveria conter, justamente, essas possíveis feras míticas. Na hora o próprio Tomaz sugeriu o Deco, por que o trabalho dele já tem essa interface com seres fantásticos e tudo o mais. Quem é aqui de São Paulo já está acostumado a encontrar os grafites dele por aí. O meu favorito era uma macaco gigante debaixo da ponte da cidade universitária com a frase “você é um banana”. Infelizmente a Prefeitura pintou esse murou faz alguns meses.
Como está sendo o feedback de “Feras Míticas” até agora? Dá pra sentir que as pessoas estão ficando mais íntimas do disco?
Tem sido realmente fantástico e a gente estava precisando demais sentir a reação das pessoas, já que esse disco demorou um certo tempo para ficar pronto. Algumas canções do “Feras Míticas” tem mais de três anos, como “Roots are for Trees”. É muito bom depois de tanto tempo ouvir alguém cantando ela com a gente nos shows ou ler algum comentário sobre ela por aí.
“Charles Chacal” é uma música inédita dos Titãs que no disco tem a participação do Paulo Miklos. Quais as bandas que vocês buscam inspiração que continuam na ativa e tem mais de 30 anos de carreira?
The Who. Uma banda que nunca teve um número um, mas soube se manter interessante e relevante correndo riscos, tomando novos rumos e fazendo de cada álbum um projeto especial.
Antes de lançar o novo disco, vocês lançaram as faixas “Eu Avisei Você” e “New Country” em vinil. Qual a relação de vocês com os bolachões?
Relação carnal. A gente vem lançando vinil desde 2008 quando fomos para os Estado Unidos pela primeira vez e nos apaixonamos por essa cultura das lojinhas de bairro. Aqui no Brasil as vendas de vinil se concentram nas grandes livrarias, mas lá fora existe toda essa cultura de ir na loja de vinil do seu bairro, ouvir alguns discos, conversar com os donos e com a galera que pinta por ali. Esses lugares acabam virando um ponto de encontro para todo mundo que curte um som, sempre rolam alguns eventos com shows e tudo mais. Eu gostaria que isso rolasse por aqui também. Recentemente o Alan Feres do Rock Rocket abriu uma loja desse tipo aqui em São Paulo, a Fatiado Discos, que além de vinil também vende frios. Aí em Porto Alegre tem a Toca do Disco, que já existe faz um tempo. No Rio tem a Baratos da Ribeiro. Essa cultura do “slow music” tem que permanecer viva e lançar vinil é o nosso jeito de apoiar isso.