Por Leonardo Baldessarelli e Ariel Fagundes
No camarim do Morrostock, mais ou menos à 1h da madrugada de sábado para domingo, Liniker e os Caramelows ainda estavam cheios de adrenalina – e dava para entender por quê. Alguns minutos antes, a cantora e a banda se apresentaram no Palco Pachamama para o maior público reunido num só show em todo o festival, levando a multidão à loucura com uma performance enérgica e carregada de hits como “Louise do Brasil”, “Zero” e “Tua”. Foi depois de ver a banda simplesmente superar as expectativas de um dos momentos mais esperados do evento que pudemos entrevistar quatro dos seus integrantes: a vocalista e ícone Liniker, o baixista Rafael Barone, a backing vocal Renata Éssis e o baterista Pericles Zuanon.
De dentro do backstage, a conversa se expandiu para a representatividade do grupo perante seu público, passando pela cultura efervescente dos festivais no Brasil, a loucura da longa sequência de shows da banda, que está chegando ao exterior, e a dimensão política que circunda seu disco de estreia, Remonta (2016). Leia o bate-papo na íntegra aqui embaixo!
Como vocês se sentem estando no Morrostock, um festival que começou pequeno e está ficando gigante, nesse momento em que todos festivais independentes estão crescendo? Enquanto representantes da música independente, como se sentem no meio disso?
Liniker: É muito importante, né. Esse festival, a gente estava falando agora, tem uma energia maravilhosa por ser onde ele é, por estar completando 10 anos, por ter toda essa energia que está em volta dele. A gente poder agregar um pouco disso é maravilhoso, muito incrível né.
Pericles Zuanon: Todos esses festivais que a gente tem feito, a gente fez o Bananada, o Rec-Beat, são festivais que mostram que os lugares estão se desenvolvendo muito. Aqui sempre foi um puta celeiro gigante de bandas e tem uma puta história enorme dentro do rock e da música brasileira, e pra nós é muito foda estar aqui, com certeza, representando o underground do interior paulista, a caipirada lá.
Rafael Barone: E também temos que entender que essa nova música brasileira, essa música que realmente não existe mais dentro das gravadoras, ela necessita desses festivais. Ela vive pelos festivais e a gente sente muito claramente que é aqui que ela acontece, é nesse tipo de ambiente que as coisas acontecem.
Liniker: É importante que a gente tem também a oportunidade de trocar com as pessoas, né? Participar de um mesmo palco onde tá a Ava Rocha, Apanhador Só, Bandinha Di Dá Dó, é muito incrível. Tudo que tem passado por aqui nesses dias é muito massa. Muito gostoso poder trocar nesse lugar.
Desde que o Remonta saiu, há uns três meses, como vocês sentem a recepção a ele? Vocês sentem uma diferença, ou não muito porque que as músicas já eram conhecidas?
Renata Éssis: As músicas já eram conhecidas, mas elas ganharam outra roupagem, né? A gente teve um processo com o Cru (2015), em que a gente fez as músicas em casa, todo mundo junto, aí a gente passou isso pro público, viu como elas poderiam ser modificadas, “gastou” elas bastante, até que chegamos no estúdio com o [produtor] Marcio Arantes. Aí a gente sentou e mastigou e gastou e elas criaram uma outra forma. E aí mostrar essa forma nova pro público tem sido muito gostoso.
E como foi lançar esse disco em meio ao caos político que o Brasil ainda vive, mas que vivia mais profundamente na época do lançamento?
Pericles Zuanon: Cara, você sabe o que eu acho? Claro que há um caos político, ético, e tudo mais, e ao mesmo tempo a gente vive um recrudescimento forte de radicalismo em relação às questões de gênero e questões raciais, mas, na verdade, uma coisa que a gente sempre fala é que essas questões estão mal resolvidas desde os anos 60, na real. Só está ressurgindo isso porque ainda não se resolveu. Se tivesse sido resolvido, a gente não estava falando sobre essas coisas. Sacou? Então, pode parecer que é uma coisa de agora, mas não é. A história é cíclica e a gente vai bater de frente mesmo porque, se precisar, nós estamos aí.
Liniker: Eu acho que lançar esse disco, além de o material ter toda força que tem, também é um ato político, sabe? Também é um grito de guerra ter esse Remonta rodando por aí e tendo a gente à frente desse disco. Considerando nosso material, e nossa trajetória histórica e social, esse disco faz parte desse processo todo.
Rafael Barone: Tem uma galera foda junto nesse processo, tem a Tássia Reis também, tem As Bahias e a Cozinha Mineira, que estão tudo dentro desse rolê aí, tem a Mc Linn da Quebrada… É muita gente fazendo esse mesmo tipo de rolê que é foda e é necessário demais.
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Vocês comentaram que desde os anos 60 isso não está resolvido e, realmente, já tiveram ícones que bateram de frente como vocês disseram, desde Mick Jagger e David Bowie até o Ney Matogrosso aqui no Brasil. Hoje, você poderia dizer que é um artista desses?
Liniker: É porque não tem como não ser, né? Acho que tudo isso só acontece porque tiveram esses movimentos lá de trás. A gente continua essa roda cíclica, cada vez mais se movimentando, se colocando, botando pra fora e botando pra fuder com o que a gente tem vontade de dizer.
Renata Éssis: E se as pessoas estão se sentindo instigadas a ouvir o nosso som, o som da Tássia, o som d’As Bahias e a Cozinha Mineira, ou o som do Franciso, El Hombre, é porque as pessoas que estão nesse movimento agora, quando sobem no palco, é porque têm alguma coisa a dizer não só nas suas músicas, mas também pelo próprio corpo político que está em cima do palco. Eu acho que, além da música e do som…
Liniker: …é o ato de ser, né?
Renata Éssis: …há o ato de ser e estar sendo como se é em cima do palco. Na frente das pessoas, se mostrando sem medo, sendo alguém que consegue trocar com as outras pessoas mostrando que a diferença também é boa. E mostrando a elas que elas também tem vez e espaço e que podem.
E como tem sido a rotina de shows de vocês?
Liniker: Intensa. A gente tá rodando desde dezembro do ano passado com a turnê do EP e aí já engatou a turnê do Cru com a gravação do disco e os shows no meio disso tudo… Aí tem show até o final do ano, uma agenda super intensa. Tá gostoso, tá ótimo, mas é pauleira.
Rafael Barone: Foi um ano sem dormir.
Há planos de vocês tocarem no exterior?
Liniker: A gente vai participar de um festival em março em Austin, no Texas, o South By Southwest (SXSW).
Pericles Zuanon: E tem mais algumas coisas aí pensadas pra América Latina também… Logo, logo, a gente revela como vai ser.