É difícil determinar o tempo de um disco. 36 minutos? 10 faixas? 1 ano? Foi em setembro de 2018 que a cantora e compositora Luiza Lian lançou Azul Moderno, álbum que já nasceu com cara de gigante. Carregando um universo imenso dentro de si, feito de “Mil Mulheres”, “Iarinhas”, Santas, Yabás e Pombas Gira, o terceiro disco de Luiza, um dos mais celebrados pela lista dos melhores álbuns daquele ano e transformado em vinil transparente no NOIZE Record Club, é ainda maior hoje. O trabalho reverbera e cresce a cada apresentação, a cada premiação, a cada novo play.
Sem medo transformações e transmutações, ela “Vem Dizer Tchau” já nessa semana. Amanhã, dia 13/12, ela encerra o último show do ano, com apoio da Natura Musical, em apresentação em Porto Alegre, no Bar Agulha. Os ingressos você adquire aqui.
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Em sua passagem pela cidade, Luiza e seu parceiro e produtor Charles Tixier visitaram a NOIZE e conversaram sobre o balanço da fase Azul Moderno, sobre a potência de falar da experiência do ser mulher na poética de sua obra e sobre circular pelo Brasil. Dá play e confere tudinho na sequência!
Luiza, para começar, vamos de retrospectiva: já faz um ano do lançamento de Azul Moderno! Como é olhar e se conectar com ele depois de um ano de trajetória percorrida? Qual é o balanço dessa fase?
Luiza: É muito doido porque o disco vai ganhando vida a cada vez que você vai o apresentando para as pessoas e conforme esse show vai acontecendo. O Azul [Moderno] teve muitas etapas, foi uma longa gestação antes de lançar e depois ele foi crescendo, eu fui redesenhando o show junto da equipe toda, e eu e o Charles decidimos como a gente queria que fosse o roteiro musical, o que valia a pena colocar para dentro. Acho que quando você vai definindo as narrativas das músicas dentro de um show, isso faz com que ele se transforme também, e foi muito interessante testemunhar isso. Apesar das músicas serem minhas, elas vão ganhando outro sentido conforme o tempo vai passando.
É até mesmo um exercício de desapego às vezes, né?
Luiza: É, com certeza. Eu acho que é muito importante ter desapego com uma coisa que você criou, principalmente quando é uma música porque, se você ficar apegado, se ficar pensando “não, essa música precisa significar isso”, eu acho que você perde a música. Uma hora ela fica velha, e não é para isso acontecer, é para os sentidos irem se ressignificando.
Acho que é bonito ir aceitando as mudanças, tanto as que vão acontecendo a partir de você quanto com as que acontecem a partir do contato com os outros. Então, foi um balanço super positivo, né?
Luiza: Super positivo! Foi lindo vê-lo ganhando público em várias cidades do Brasil. Tivemos surpresas lindas, como quando a gente foi para Natal e viu que tinha uma galera lá, quando a gente foi para Fortaleza e foi desafiador e surpreendente encontrar toda aquela galera cantando as músicas.
E você gosta da galera toda cantando junto nos shows?
Luiza: Ah, eu gosto. Às vezes eu acho que eu tenho que chamar a galera para cantar mais, porque acho que às vezes o público fica super tímido.
Acredito que uma das coisas mais tocantes do seu trabalho é o constante protagonismo da experiência de ser mulher, a experiência do feminino, que tá muito presente no Azul Moderno apesar de, óbvio, ele não ser só sobre isso. Além disso, você foi indicada ao WME Awards, prêmio focado nas mulheres, e participou da programação com o dueto ao lado da Céu. Como você avalia a inserção das artistas mulheres na cena contemporânea? Qual a potência de colocar a experiência do ser mulher nas suas letras?
Luiza: Com certeza o Azul Moderno é um disco que fala muito sobre o feminino, ainda mais sobre o feminino ancestral. No momento que eu tava fazendo as músicas, muitas delas com a minha companheira de composição que é a Leda Cartum, nós conversamos muito sobre a transformação do ser mulher da modernidade e até o momento atual. Então, que mulheres eram essas? Que eram nossas avós, que já estavam quebrando vários paradigmas, mas que se a gente olha hoje e parece ainda tudo muito enrijecido perto do que a gente é agora, ao mesmo tempo que o que somos ainda tem muito atraso. Então, o que o disco traz é, em muitos sentidos, uma homenagem a esse feminino ancestral e a esses lugares que a gente aprendeu a ocupar e como eles são desconstruídos. Ou, até mesmo, esses lugares do sagrado, das danças femininas, das Yabás, então o meu trabalho traz muito essa reflexão mesmo, apesar de às vezes eu encrencar um pouco quando as pessoas me perguntam “como é ser mulher na música?”, que não é o caso dessa pergunta, mas eu trago isso do feminino porque eu acho que tem espaço pra falar sobre isso. E acho que o WME é umas das premiações mais legais que tem, no sentido de encontrar e ver pessoas que têm trabalhos tão incríveis. Na minha opinião, com toda a militância no fundo mas não por causa dela, os trabalhos mais interessantes que estão acontecendo hoje em dia são feitos por mulheres, cis e trans, porque eu acho que são narrativas necessárias. E para mim foi muito incrível cantar com a Céu, que é uma referência pra mim e que, pelo menos enquanto compositora dessa geração, abriu muitos caminhos, e ver a Mahmundi que é uma artista e produtora que eu amo, ganhando prêmio foi muito foda. Eu acho que é uma celebração mesmo do trabalho e desses espaços em um mundo que fica o tempo todo tentando colocar a gente em um lugar específico, que é tão incômodo, sabe? Que é essa diferença que eu comentei, dessas perguntas que fazem sempre para essa sua pergunta, no sentido de que, sim, estou falando sobre o feminino também, a partir de uma perspectiva poética mesmo, mas talvez eu não estivesse. Eu poderia estar falando sobre outras coisas. Uma vez me perguntaram o que eu achava sobre ser mulher e que agora os festivais estavam dando mais espaço, e sobre como era para mim estar “abrindo a ala feminina do Lollapalooza”… tipo assim, como você pergunta para alguém uma coisa dessas? Sério, abrindo a “ala feminina”? Parece que toda a conquista que você faz, a pessoa quer te dar um espaço, mas, em vez disso, ela te coloca “no seu lugar”. Como se você só estivesse lá porque os curadores do evento, ‘queridos homens’, estão querendo abrir o espaço para as mulheres. E essa pessoa em questão tá desinformada também porque a curadora do Lollapalooza era uma mulher. O nosso espaço é um espaço conquistado, não um espaço cedido.
Sobre o universo do álbum: além do streaming, você o experimentou em vinil aqui pelo NOIZE Record Club, ele inspirou a revista NOIZE impressa que o acompanhou e, o show, do jeito que vocês o pensam, possui uma aura de instalação artística, tem um penso de experiência. Como é para você a possibilidade de experimentar o disco em diversas linguagens?
Luiza: Eu gosto de entender as muitas camadas que as coisas têm. Claro que é no streaming que as pessoas vão conhecer um artista, que é no Youtube que você vai descobrir a narrativa visual de um artista, você assiste aos clipes, mas quando a gente pensou no Azul Moderno, a gente desenhou muito essa trajetória da forma que a gente gostaria que as pessoas atravessassem. Mas não quer dizer que elas estão necessariamente perdendo alguma coisa se elas estão entrando em contato de outra maneira, entende? Mas eu tento ter essa profundidade. O clipe de “Azul Moderno”, por exemplo, não tem só a ver com essa faixa, mas também “Iarinhas”, e sobre tantas outras coisas que estão postas ali no meu disco e tudo mais. Eu acho que quando você lança em vinil, você traz um pouco de volta esse lance da narrativa. As pessoas não vão conseguir passar rapidamente, elas vão parar para ouvir e vão ouvir a trajetória, que é um pouco a maneira pela qual eu penso um disco, mas não acho que seja necessariamente a maneira certa de ouvir, talvez seja a mais genuína. E essa coisa da visualidade do show, eu acho que é necessária porque faz parte da narrativa, as minhas músicas têm muitas imagens, e tudo bem se a gente estivesse só cantando e tocando da maneira mais crua possível, mas eu penso e gosto quando eu vou a um show e aquilo me leva para uma experiência maior do que isso, sabe? Agora, se é um show, se é uma instalação, não sei exatamente o que é, mas é um show muito pensado narrativamente para ser algo sensorial.
Você acabou de lançar o single “Alumiô”, que tem duas versões e que vai virar um compacto. Como surgiu a ideia de fazer um compacto e como se deu a parceria com o Bixiga 70?
Luiza: Essa música eu compus um ano atrás, exatamente um ano atrás, numa viagem. E aí eu e o Charles já estávamos pensando nela pro próximo disco, agora que a gente tá pensando devagarzinho, montando ele, e daí os meninos do Bixiga chamaram a gente pra fazer uma parceria. Mas, o principal foi que, “puts, eu acho que é Alumiô a música”. Acho que vai ficar rico. E a ideia é a gente fazer um pouco como o que aconteceu no processo do Azul Moderno. Então, primeiro eu levantei junto com o Bixiga essa versão instrumental, dando alguns pitacos, mas deixando eles acontecerem ali, e depois o Charles pegou isso e desconstruiu como no processo do Azul Moderno.
Charles: Foi essa onda de a gente ir tentando entender o que ia ser legal de fazer com os meninos do Bixiga, tipo, ah, participa, faz uma música nova,… e aí a gente veio com essa ideia de fazer um processo parecido com o que a gente fez no Azul Moderno, que nem a Lu falou, que era de gravar uma versão da música e usar esse arranjo pra pegar uns pedaços e meio que remontar e imaginar uma outra versão. Foi isso, e foi super fluído. Numa semana, a gente mostrou a música e pensou “tá, legal”, na semana seguinte eles foram lá de novo, levantaram o arranjo, e na outra semana eles gravaram e, na semana seguinte eu estava correndo pra entregar a versão. Foi massa. E nessa onda de reconstruir, na hora em que ficou pronto, alguns meninos do Bixiga vieram e falaram, “pô, mas você usou mesmo o que a gente gravou?” [risos]. Mas é esse lugar de que não é tipo um remix, nada contra, mas é meio como reimaginar a partir do que eles fizeram. Luiza: O processo, pra mim, é muito importante que seja presencial. Acho que rola às vezes de você fazer à distância, mas é muito difícil pra mim essa coisa de ir mandando [os arquivos]. Mas tipo o Charles, tudo bem, do jeito que ele faz a coisa ele fica ali sozinho, isolado, mas a gente passa muito tempo junto destrinchando e tendo ideia e pensando as coisas. Já tentei fazer trabalhos [à distância] e não deu certo ainda. Ainda! Se a Rosalía quiser me chamar pra fazer alguma coisa…
E qual é a importância pra vocês de circular pelo Brasil?
Luiza: Pra fazer essa turnê, a gente teve uma oportunidade muito boa e importante que foi o patrocínio da Natura Musical. Isso possibilitou que já de cara o Azul Moderno tivesse estrutura pra ir pra cinco cidades, Porto Alegre é uma delas, a gente foi pra Salvador, Goiânia, Recife, Rio de Janeiro também. Isso foi fundamental porque muitas vezes é muito difícil você conseguir fazer um show só seu. Ou você tá sempre contando com os festivais, que obviamente não vão conseguir atender a demanda de todos os artistas e tudo mais, e se conseguem atender essa demanda não necessariamente conseguem atender a demanda técnica que os shows têm. As pessoas olham pra gente e falam assim: “vão só dois, eba!” Só que são dois [no palco], mas tem mais três na luz pra fazer esse show acontecer da maneira como ele acontece, da maneira como ele foi concebido. Então, essa circulação pelo Natura foi a melhor coisa que aconteceu pra gente, foi muito especial, importante. E agora, enfim, ano que vem não vai ter essa circulação, a gente ainda vai fazer alguns shows do Azul Moderno e começar a pensar em uma coisa nova, pensando talvez mais em… ah, vamos ver, são ideias soltas ainda, mas talvez a gente pense de uma forma mais diferente sobre a circulação, a gente quer pensar em uns espaços com um pouco mais de espaço e calma e tempo dentro de cada lugar.
Mas vale a pena toda essa correria para viajar o Brasil?
Luiza: Nossa, vale muito a pena. Faz você odiar um pouco aeroporto, ontem a gente passou quatro horas em Florianópolis porque o voo veio até aqui e tinha um buraco na pista, e voltou, e a tripulação estava trabalhando desde as duas da manhã e não podia mais trabalhar. Aeroporto é foda. Mas fora isso, é maravilhoso viajar e conhecer novos lugares, ainda que às vezes muito rapidamente. E ouvir a sua música com sotaques diversos é muito lindo!