Olho no olho com Rincon Sapiência sobre “Galanga Livre”, funk, afrorap e afirmação racial

01/06/2017

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Shandler Guterres e Ariel Fagundes

01/06/2017

“Já deu o rec?”, pergunta Rincon Sapiência enquanto se ajeita no sofá. Na semana passada, o rapper paulista chutou o pau da barraca do rap nacional com o lançamento do seu primeiro disco, Galanga Livre, e nós nos reunimos pra conversar sobre tudo que o levou até esse ponto de sua carreira.

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“Sim, sim, podemos começar?”, respondo olhando a mim mesmo refletido no brilho do seu olhar. Por mais que Galanga Livre seja seu álbum de estreia, na verdade a caminhada do rapper já soma dez anos de trabalho duro e a sua expressão corporal é aquela de quem está com gana de conquistar o mundo.

“Demorou, eu quero é mais, eu quero até sua alma”, ecoa a voz de Brown em minha mente conforme Rincon vai me contando de onde veio e pra onde quer pretende ir. Se hoje ele canta sobre afirmação da cultura negra é porque desde a infância precisou enfrentar o racismo de frente; se hoje ele é um artista independente é porque em 2011 teve uma experiência mal sucedida com o Midas Music, o selo do renomado produtor Rick Bonadio; se hoje ele cita os orixás em suas músicas é porque sua juventude foi marcada por um mergulho nos universos religiosos do catolicismo, budismo, hinduísmo, rastafarianismo e outras filosofias mais.

“Nada é por acaso”, é o que penso após esta longa conversa que você lê abaixo, onde Rincon se sentiu à vontade para falar sobre sua vida e suas impressões sobre o cenário musical. Desça a rolagem para conhecer melhor um dos nomes mais importantes do rap nacional de hoje.

Foto: Ariel Fagundes

Você costuma comentar que o futebol foi importante por ser uma iniciação no contexto rua. Como foi essa vivência e como a música entrou nisso?
A música veio primeiro… Desde muito novo tenho memórias de músicas que trazem lembranças de cheiros, cores… Tive influência dos meus pais, que ouviam black music, tanto brasileira quanto gringa, e também das rádios, tanto as que tocavam samba nos anos 90 como essas que tocam sempre as mesmas músicas que são tão clássicas que duram muitos anos. Mas ir pra rua e conhecer o universo da rua, o grafite, o pixo, o skate, saber quem é quem, quem faz isso, quem faz aquilo outro, foi jogando bola, né? Porque eu morava de frente a uma praça e ela era praticamente o meu quintal. Sou nascido e criado na Cohab, que é um só espaço pra 30 famílias, então todo mundo compartilha as coisas. Se alguém ouve música alto, você ouve também. A praça era um outro lugar que a gente tinha pra ir, então o futebol é que me deu o norte da rua mesmo, de saber o que é o que, como que a polícia age, quem que pratica as atividades lícitas e ilícitas e todo esse universo da rua de periferia. Isso desde bem novo, sempre fui ruaceiro. Desde 92, da 7ª série, já era habitual ir pra escola de manhã, voltar, bater um rango, ir pra quadra jogar bola e ficar até o amanhecer.

O futebol era a tua vida então? Não é à toa que você chegou a jogar no Portuguesa.
Ah, no caso do Portuguesa eu fui um jogador em fase de teste. Mas… é que a bola é um brinquedo que não precisa de energia. Não precisa ligar na tomada, não é igual a um celular, um videogame. Pra quem vem de uma família não abastada economicamente, a bola é o melhor brinquedo que tem. Você pode brincar em casa chutando na parede, pode descer sozinho e jogar, pode socializar e fazer amizade jogando. Tenho jogado bem pouco né, mas até hoje carrego essas sensações comigo porque fez parte da minha vida durante muitos anos.

Foi por aí que surgiu o rap?
O rap veio de casa por influência do meu irmão mais velho, mas na rua você conhece outro moleque que escuta rap também. Uma memória que eu tenho é de uns caras empinando pipa e ouvindo Racionais no carro, muitas músicas que se tornaram hits na minha vida eu apreciei quando estava jogando bola e outro cara estava ouvindo alto, saca? O rap veio de diversas formas na minha vida. Veio também pelo meu irmão mais velho, ele tinha a turma dele que ia lá em casa fazer trabalho de escola e cada um levava sua fita, seu vinil, não tinha internet, obviamente. Um tio meu tinha acesso à MTV e ele já gravava os clipes naquela época, nos anos 90, então a minha casa era um point pra se assistir clipes. O fato de estar perto de pessoas que viviam o rap, no que diz respeito a comportamento, a modo de se vestir, tudo, ajudou muito a eu querer ser do bagulho também. Eu era bem pequeno, mas queria ficar com eles, saca? E meu irmão direto me botava pra correr. Mas aí, quando ele viu que eu gostava mesmo da parada, passou a me levar pros rolês, me apresentar as coisas. Ele é o meu mentor dentro do rap, o Leandro.

Como a coisa começou a ficar séria?
Ah, aí, em 97, fiz um trabalho de escola sobre a dengue mudando a letra de uma música do Exaltasamba, “Gamei”. Lógico que não tinha contexto nenhum né, mas, ao mesmo tempo, nessa experiência vi que tinha potencial pra compor. Nesse mesmo trabalho, tentei fazer um rap e já tive mais dificuldade, não consegui desenrolar e fazer um lance autoral… Aí, em 99, começou a adolescência com muita influência do rock, O Rappa, Charlie Brown Jr., Planet Hemp, e cheguei a compor pra uma suposta banda, mas não foi pra frente. Só no ano 2000 rolou a primeira música e foi muito espontâneo. Fiz um rap influenciado por “Os Manos e as Minas”, do Xis, porque essa música fala muito da Cohab 2, onde ele foi criado, e eu fiz uma que tinha o mesmo contexto, mas falava da Cohab 1, que é a minha quebrada. Aí tinha um amigo que tocava bateria na igreja, tinha um outro que jogava bola e com o violão tocando rock, tinha um outro grande amigo meu, que não tocava tão bem, mas era nosso parça e andava com dois roqueiros na escola e eles ensinaram ele a tocar. Eles inclusive fizeram o groove desse meu primeiro rap. Enfim, dessa forma bem espontânea a gente tava com uma banda montada. Aí ficamos naquele ritmo de periferia mesmo, de tocar em festa na praça, tocamos na escola, tocamos em outras escolas e depois a banda terminou. Aí eu descobri os meios pra ter instrumentais de rap, que dava menos trabalho do que ter uma banda, criar arranjo, ensaiar e tudo mais. Aí nunca mais parei.

Veja Rincon ao vivo no programa Manos e Minas, da TV Cultura, em 2009:

Como se chamava essa primeira banda?
Munições da 38. Porque eu morava na Rua 38 e a banda era a rapaziada da minha rua. Foi uma fase bem legal. Acho que se eu tivesse começado de outra forma não teria galgado as coisas que eu consegui no andar da caminhada. Eu me ligo muito na parte musical do rap, então foi interessante ter começado com uma banda com arranjos autorais, com estilo autoral. Isso ajudou a ser o artista que eu tô construindo hoje.

Você citou a igreja e, em outras entrevistas, você já comentou que frequentou o projeto Infância Missionária. Como era isso?
Foi por influência da minha mãe, que vem do interior e tem um catolicismo bem forte. Sempre estive ali na igreja, primeira comunhão, fiz toda essa parada. Mas como sempre gostei de música, o coral me atraía muito. O pai de uma das integrantes do coral era quem tocava teclado e eu sempre tinha vontade de cantar do lado dele pra ficar olhando e tentar aprender. Tanto é que, hoje, tudo que produzo eu faço com teclado, pra você entender a ligação das coisas. Na Infância Missionária tínhamos atividades como visitar orfanatos, asilos, tocar músicas, aquela juventude feliz católica que vai pra um lugar cantar uns bagulhos (risos). Foi bacana porque me destravou muito artisticamente. Por mais que eu não tenha ligação nenhuma com o cristianismo, tenho até minhas críticas pra falar a verdade, foi nesse ambiente que eu consegui destravar um monte de coisa. Fiquei ali uns quatro anos, mas, no final das contas, era sempre porra louca. Tinha muito mais a ver com colar com os amigos, dar risada, a parte religiosa até fazia a minha cabeça, mas não era o que fazia minha cabeça em primeira instância.

Depois, você se envolveu com as filosofias Hare Krishna e Rastafári. Como essas outras tradições lhe influenciaram?
Durante muito tempo achei que devia sempre estar seguindo uma religião. Hoje, penso um pouco diferente, mas, quando vi que não tinha tanta identidade com o cristianismo, passei por várias, pelo budismo, pela Seicho-No-Ie… Quando cheguei no Hare Krishna e no Rastafári, achei interessante porque mexia com a parte da espiritualidade, com esse lance da energia… Essa é a parte que me atrai mais, o trabalho espiritual e energético da coisa. Pelo fato de o Hare Krishna e o Rastafári estarem muito ligados à cultura preta também – por mais que a Índia se encontre na Ásia, tem uma ligação muito grande com a Diáspora toda – eu passei a ter uma identidade melhor. Porque tinha a ver com música, com alimentação, com disciplina, com espiritualidade… Foi bem legal, a partir disso eu passei a ser vegetariano e comecei a ter alguns valores que aplico até hoje. Não sou devoto Hare Krishna e nem sou um Rasta, mas tenho influências disso na minha orientação espiritual até hoje.

E quando isso entrou na sua vida?
Puts, talvez foi 2005, 2004…

Então você já estava cantando.
Já estava cantando… E eu sou um cara que acredita em disco voador, em karma, não acredito que a vida se resuma nesse único período que a gente tá vendo agora, nesse período material, tenho uma série de crenças e me sentia bem nessas culturas, o Hare Krishna e o Rastafári. Foi bem legal porque faz parte da minha “aborrescência” e foi o que me ajudou a não bater a nave. A adolescência é uma fase terrível.

Foi difícil pra você?
Ah, pra mim foi tiração de onda… Mas teve um lance com família. Eu sou o filho mais novo, meus irmãos sempre seguiram trabalhos formais, minha mãe tem essa tradição católica… E, nesse momento, eu entrei com tudo isso, vegetarianismo, minhas crenças, rap, ideias raciais de cultura preta… Isso foi chocante pra família. E eu gosto muito da rua, foram madrugadas tocando violão nas praças, fazendo freestyle, tomando vinho entre outras coisas que eu fazia nesse período aí (risos). Foi uma fase de intensidade, mas como eu tinha esse tipo de ligação comigo, e essa cautela, não cheguei a extrapolar.

Sua música fala muito sobre afirmação da cultura preta, quando que você começou a ter essas reflexões de uma forma consciente?
Fui bem formado nesse sentido pelos meus pais. Desde novo. Morando em Cohab com 30 famílias, tinham famílias que eram racistas explícitas, tinham desavenças com vizinhos por conta de racismo. Aí veio esse meu cuidado, né? Meus pais me passaram esse tipo de caminhada como um lance da proteção mesmo, a parada é tipo assim: “Você vai ser discriminado, vão acontecer situações e você tem que estar preparado intelectualmente pra lidar com isso”. Tive essa orientação desde muito novo. E, naturalmente, todo o lance que envolve a cultura afro sempre me cativou. Cabelo, trança… Todo tipo de coisa ligado eu sempre achei massa. Aí, quando passei a ter autonomia de produzir minhas coisas, fazer a minha arte, comecei a aplicar essas características.

Quando acabou a Munições da 38, você tinha que idade?
Tinha 15 anos, ano 2000. Durou, sei lá, um ano, mas mais ensaiando do que tocando.

E aí você já começou a carreira solo?
É, eu não parei. Tinham CDs de bases né, Bases Para Rappers Vol. 1, que eu comprava e aí usava um programa, que se chama HipHop EJay, com vários loops de harmonia, de bateria, de baixo. Ia só juntando e fazia músicas. Só não tinha um computador, né. Meu irmão tinha esse programa e, às vezes, eu ia na casa de alguém que tinha computador e mexia. E também já montei muitos grupos, mas era uma fase despretensiosa em que eu tinha vários grupos. Tinha uma dupla com um amigo, aí tinha um grupo com outros amigos, sabe? Uns caras lá do bairro vizinho, Jardim Eliane, montaram um projeto chamado Central Brasileira do Flow, que existe até hoje, e da primeira formação eu e o Nocivo Shomon fizemos parte. E por aí vai, passei por muitos projetos. Mas onde sempre botei mais energia mesmo foi no meu projeto solo. Eu e meus cadernos, compondo, fazendo minhas coisas.

Foto: Shandler Guterres

E já se chamava Rincon?
Já, já era Rincon. Só o “Sapiência” é que levou um tempo. Eu assinava como Rincon e também como MC Shato. Gostava muito desse nome, MC Shato, me soava meio hip hop anos 80. Antigamente tinha o MC Shan, MC Ren, e eu achava legal, mas eu não queria perder o Rincon. Tinha toda coletividade na quebrada, todo mundo me conhecia como Rincon. Às vezes eu juntava, “Rincon MC Shato”, até que veio o “Sapiência”. Eu adotei e acho que deu certo, tem gente que não consegue falar, erra na hora de escrever, mas tá certo (risos).

De onde veio o “Sapiência”?
Ah, eu tenho essas crenças todas né… Acredito em disco voador, espiritualidade, espíritos, todo tipo de viagem possível. E, uma vez, vi uma definição da palavra “sapiência” que dizia que é “o conhecimento das coisas divinas e humanas”. Acho que tem muito a ver com o meu trabalho no rap. Eu preciso do conhecimento das coisas humanas, sociais, das relações que envolvem gênero, economia e tudo mais. E eu também acredito na parte da espiritualidade, de que você é o que você come, de que tudo que você faz volta pra você, karma e todo esse tipo de coisa, que já transcende as relações humanas e vai pra um campo metafísico. Quando eu vi essa definição, falei: “Pô, esse é o conhecimento que eu busco, não o conhecimento que eu detenho, mas que eu busco”. Acho que é uma palavra que me representa bem: Rincon Sapiência (risos).

Quando foi isso?
Ah, nesse período bicho grilo. 2003, 2004….

Quando você se sentiu um profissional do rap?
Profissional mesmo… Em 2006, por exemplo, eu toquei no Indie Hip Hop, com o Simples, quando veio o De La Soul, e foi bem massa. Mas eu sempre estava sendo adotado, né. Era o Simples ou o Código 44, a Central Brasileira do Flow, o Primeira Audição, enfim, teve um monte de gente que já me ajudou na caminhada. Eu era o novinho ali, o menino prodígio da parada. Em 2010, muito por conta da música “Elegância” estar bombando, larguei meu último emprego, no telemarketing, pra viver só do rap. E tô aí até hoje, construindo, colocando um tijolinho de cada vez. O single “Elegância” eu mesmo produzi e, na época, era uma estética nova pro rap, principalmente em São Paulo, onde o pessoal gostava mais de usar o sample e fazer aquele rap boom bap, com BPM bem mais pra frente, e eu trouxe esse lance da música eletrônica, da produção com MIDI, com BPM mais lento, que era típico do rap do sul dos Estados Unidos, o dirty south. De certa forma eu fui uma vanguarda, né? Pra estilo de rap em São Paulo. Em Brasília já se fazia esse tipo de rap, mas em São Paulo isso era muito novo. Acho que foi um dos motivos pra música ter repercutido tão bem.

E como foi esse período depois do “Elegância”?
Tive um momento difícil que foi quando eu assinei um contrato que não deu muito certo. Eu sabia desse risco, mas eu arrisquei pra viver essa experiência. Foi um contrato com o selo do Rick Bonadio, o Midas Music. Não deu certo esse trabalho e eu acabei perdendo um tempo. Porque eu produzia bastante, eu sempre compus muito, mas eu estava nesse selo e a expectativa, não só minha como do público, era de que as coisas iriam sair com uma estrutura melhor e outras produções. E… A dificuldade que eu tive foi bem essa: trabalhar lá, no estúdio dele, com a estrutura dele. A lógica dele de fazer música não ia ao encontro da minha. Mas de certa forma é um lance que eu assumo boa parte da responsabilidade do que aconteceu. Voltei a trabalhar no independente depois de um ano de contrato, que não rolou muita coisa.

Que ano foi esse?
Sou meio ruim de data… Mas “Elegância” bombou em 2010, acho que no final de 2010 eu assinei o contrato e, no final de 2011, eu saí. Aí 2012 foi um ano que eu trabalhei só na internet, me reestabelecendo na cena porque em um ano acontece muita coisa. Em 2010, eu estava no destaque, aí, em 2011, eu fiquei amarrado nesse contrato, não fiz muita coisa e várias outras coisas apareceram se destacando. Quando voltei ao independente, já era um cenário diferente. Levei um tempo pra me adaptar e me situar nesse cenário. Em 2013, eu fui pro Senegal e pra Mauritânia tocar num festival lá e voltei renovado. Voltei um outro artista, uma outra mente, uma outra pessoa. Em 2014, lancei o EP SP Gueto BR, que era um trabalho de músicas antigas, e aí ficou tudo melhor do EP pra frente. No ano passado, a gente terminou o disco e acho que a situação agora, tanto do rap como a minha pessoal, é totalmente diferente.

Como você descreveria o Galanga Livre?
Ah, esteticamente ele traz o universo do rap, da bateria de escola de samba, ciranda, música eletrônica, berimbau, rock, e uma série de coisas. Tem um cunho racial também que é interessante, o Galanga é um personagem que aparece na primeira faixa e ele é quem dá o contexto do disco, “Galanga livre”, né? A maioria das produções são minhas, tem uma produção do Gambia Beats [“Amores às Escuras”] e a mixagem, direção musical e pós-produção foram feitas pelo William Magalhães, da banda Black Rio. O trabalho dele foi determinante pra esse resultado que se encontra agora.

“Ponta de Lança” é um som que traz a sonoridade do funk. Como você vê a relação entre o rap e o funk? São universos bem próximos mas que, às vezes, andam meio separados.
Essa minha ligação é bem antiga. Eu abria meus shows com uma música de funk no começo da minha carreira profissional, em 2010, 2011, e já cheguei a ser hostilizado por conta disso, de falarem: “Pô, o cara aí cantando funk com esse moicano loiro e essas roupas”. Aí comecei a reparar no comportamento da geração mais nova, que gosta muito de moda, de funk e da liberdade de dançar. A dança sempre foi um tabu no rap e eu vi que essa geração mais nova não tem essa trava. Então, fazendo esse estudo de campo, falei: “Acho que tudo isso que eu fazia antes tá com uma aceitação melhor pra eu fazer hoje”. Aí eu fiz a música “Ponta de Lança”, foi a última música que entrou no disco. Era pra ser uma rima solta de final de ano, um verso livre, só pra botar na internet, mas acabou repercutindo do jeito que repercutiu e eu arrumei um jeito de contextualizar ela no Galanga Livre. A ligação com o funk é isso, tenho muito apreço pela cultura afro e pelo ritmo afro. Acho que, de todos os gêneros da música brasileira, quem traz mais diálogo e mais ancestralidade na música popular é o funk. Então seria contraditório eu ser um apoiador do afrorap, da música afro, e ser contra o funk. O bom do “Ponta de Lança” é que eu consegui mostrar essa ligação que o continente africano tem com o funk e que as danças de lá se encaixam nas nossas danças daqui também. Esses paralelos foram bem legais pra ajudar as pessoas a quebrarem esse preconceito.

E como você vê as ondas que surgem no rap e tomam conta do cenário, como o trap?
Eu acho legal, o que eu pego no pé – pelo menos no meu né, não vou sair pegando no pé dos outros – é que o trabalho tem que ser autêntico. Às vezes, vejo um excesso de signos norte-americanos nessas ondas novas que vem, como o trap. Mas eu acho que dá pra gente aplicar o trap porque ele é mais suingado e tem um BPM mais lento, então acho que tem a ver com a musicalidade brasileira. Mais do que o rap mais clássico, o boom bap. Acho que o trap tá tendo essa aceitação positiva aqui no Brasil justamente porque combina com a energia brasileira de se fazer música. E de estética também, de dançar, de cabelo, de tudo. Acho que dá pra gente ter uma cena trap Brasil, sem precisar usar palavras norte-americanas e ter comportamentos da cultura dos caras somente. Dá pra abrasileirar a coisa.

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01/06/2017

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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