Moreno é baiano e físico. Luana cursou Letras na PUC e é carioca. Moreno produziu os dois discos que Luana lançará em breve. Há várias conexões que ligam a dupla, herdeira de dois dos mais consagrados artistas da música popular brasileira, Caetano Veloso e Beth Carvalho, mas a poesia é a maior delas.
“Nossa maior conexão é a poesia”, afirmou Moreno Veloso, logo de cara, sobre sua afinidade com Luana Carvalho. Os artistas foram apresentados um ao outro por intermédio do músico Jonas Sá, irmão de Pedro Sá, um dos mais respeitados guitarristas desta nova cena contemporânea, que está em turnê pela Europa com Moreno e também participou do disco duplo de estreia de Luana, Sul e Branco.
“Quando falo de poesia, falo de um espaço multidimensional que quando você consegue habitar é intensíssimo de prazer, desespero, alegria, arrepio…e nesse espaço, de repente, a gente encontra uns amigos. Porque há um entendimento que aquela pessoa também está habitando o mesmo espaço que você, daí a pessoa reconhece que você também está vivendo naquele lugar. Quando se lê uma poesia ou ouve uma canção que toca mais íntimo, o reconhecimento acontece. Como a Luana também vive neste mundo intenso que é a poesia, este encontro aconteceu. E a partir deste encontro, “n” coisas aconteceram porque a poesia é infinita”, explica Moreno.
A primeira vez que Moreno e Luana se apresentaram juntos, em um mesmo palco, foi em 2004, num show da Orquestra Imperial. Na ocasião, Luana estava substituindo uma das vocalistas, a cantora Thalma de Freitas. “Luana já chegou cantando, dançando e arrepiando”, elogia Moreno. Após um hiato de quase dez anos, a dupla se reencontrou e desta vez para construir o primeiro álbum de Luana.
“Após lançar o single “Sintonia”, produzido por Gui Amabis, senti a necessidade de voltar ao Rio e gravar meu disco na cidade, então precisei pensar em alguém para produzi-lo. A primeira reunião que fiz com o Moreno sobre o assunto foi na minha casa e ele, quando chegou, já sentou no chão. Neste momento tive a certeza que ele seria o produtor do disco”, relembra Luana. “Do meu ponto de vista, a Luana estava procurando nossa turma toda e não só eu. Era Domenico, Pedro Sá, Rafael Rocha, todos nós. Somos amigos que tocamos juntos e fazemos coisas uns dos outros e acho que ela estava procurando justamente o apoio desta turma pra ficar no Rio de Janeiro e fazer o que ela queria fazer”, recorda Moreno.
As conexões entre os dois artistas, representantes bem sucedidos da nova safra de bons músicos brasileiros, vai além-mar. Durante o mês de outubro, eles estão viajando pela Europa e quando “calha” de estarem no mesmo país, Luana participa do show Nada é de Ninguém que Moreno “criou” especialmente para rodar o velho continente. “Na verdade, Nada é de ninguém foi apresentado no Brasil também porque ele é a continuidade do Coisa Boa. Nada é de ninguém é um verso da canção “Coisa Boa”, do Domenico Lancellotti. Mas é também uma sensação anti possessiva, anti ciumenta, anti prisão… Uma sensação de liberdade”, explica. “Sempre que você faz um trabalho, tem outras coisas que estão em volta daquele esforço central que são tão boas quanto, tão interessantes quanto, mas não estão fazendo parte daquele esforço central e quando você finalmente consegue concretizar aquele trabalho, estas coisas que estão em órbita começam a se manifestar, a ganhar mais força e a habitar a sua cabeça e quando se faz um show que já tem um tempo, estas outras coisas naturalmente vão entrando…elas já estavam em volta do disco mas agora começam a aparecer no show. Por isso é a continuação do show Coisa Boa“, completa Moreno.
Apesar das inúmeras afinidades, o processo de criação artística de Moreno e Luana é diferença. “A sensação que eu tenho é de que quando a canção vai nascer, ela já existe e já se anuncia. Eu tenho um pouco de preguiça de ficar muito tempo na mesma canção. Isso me cansa e começa, de certa forma, a machucar”, diz Luana. Já Moreno tem outro ritmo. “Sou exatamente o contrário”, brinca. “Eu não tenho nenhuma preguiça de ficar muito tempo numa canção, inclusive tenho um “punhado de cinco” pra finalizar há mais de dois anos”, conta descontraído. “Eu sou lenta mas o Moreno consegue me superar”, diz Luana. “Eu sou lento mesmo, eu sou baiano…”, responde.
Brincadeiras à parte, Luana acredita que sua canção nunca vem sozinha, ela sempre é influenciada pelos atravessamentos do seu dia. “O que eu tenho a dizer, a palavra, a poesia, é mais forte do que como isso vai ser dito”, explica a cantora. Moreno concorda e acrescenta que “por ter uma base espantosa e muito sólida que é poética, no sentido mais amplo da palavra poesia…o que sai daqui (aponta pra dentro do peito) pode sair com esta velocidade narrada pela Luana. Esta intensidade, quase física, com que a Luana descreve existe mas há outros caminhos. Ela pode ir navegando neste espaço multidimensional e ir agregando coisas através dos dias, das noites…depende da forma como você coleciona este mosaico e muitas vezes a canção é um mosaico. Às vezes preciso de dois ou três anos pra construir este mosaico. Outras vezes não”, afirma.
Luana deu uma canja no show que Moreno fez, na semana passada, na capital portuguesa. Na ocasião, cantou “Avesso da Alegria”, “Invente-me” e “Deusa do Amor”. Sobre as conexões Brasil-Portugal, Moreno questiona: “Qual brasileiro não tem uma conexão com Portugal?”.
O fascínio entre os povos é muito recíproco. Eles amam nossa música. Nós amamos a literatura portuguesa e ano a ano estas aproximações vão tornando-se mais intensa e a música portuguesa vai entrando no circuito brasileiro assim como nossa literatura vem conquistando adeptos em Portugal. “Cada vez fica maior este abraço, esta aproximação e esta intimidade entre brasileiros e portugueses”, concorda Luana.
“Artisticamente, nossa base é poética e ela está ligada intrinsecamente a nossa língua mãe. Aqui também estamos um pouco em casa. A arquitetura, o jeito das pessoas, a própria canção e a forma como elas se manifestam dependem da língua e isso rapidamente atravessa a porta. Estamos dentro de Portugal e Portugal dentro do Brasil”, conta Moreno.
Luana completa, “Sou realmente apaixonada pela língua portuguesa. Eu gosto muito do som, da fonética, do pensamento do português, desta fluidez entre a delicadeza e a brutalidade. E quando penso numa canção seja ela composta por mim ou por outra pessoa eu penso na língua e cantar em Portugal é ser compreendido pela língua e isso faz diferença, conecta e é muito precioso”.