Beth Carvalho é exemplo de superação. A madrinha do samba está de volta aos palcos depois de uma pequena “pausa” em sua carreira de 48 anos. Pausa entre aspas, porque Beth não parou de cantar no período que passou no hospital se recuperando de problemas na coluna. E no início de setembro, ela já estava de volta aos seus fãs com um show no Vivo Rio.
O último registro do samba de Beth Carvalho foi com o álbum “Nosso Samba Tá Na Rua”, de 2011. O CD é contemplado na sua atual temporada de shows, que vai passar hoje, dia 18 de outubro, por São Paulo, no HSBC. A apresentação começa às 22h e o valor dos ingressos está entre R$ 120 e R$ 220. Clique aqui para mais informações do show de hoje à noite.
Nós conversamos com Beth Carvalho para conhecer ainda melhor a grande sambista que ela é. Deixamos sua hospitalização de lado e falamos só sobre coisas boas que, afinal, são as que importam pra ela.
Você voltou a se apresentar ao vivo no começo de setembro, depois de mais de um ano longe dos palcos. Do que você estava sentindo mais saudade?
De cantar pros meus fãs! Da cidade do Rio de Janeiro, que é linda. Quando eu voltei do hospital fiquei sentada na varanda do meu apartamento horas olhando o mar. Sou carioca, né.
O que podemos esperar dessa sua nova fase?
Pretendo fazer um DVD desse meu disco, “Nosso Samba Tá Na Rua”, mesclado com alguns versos da minha carreira. É o que eu estou fazendo, o show que eu estou fazendo, que vai dia 18 de outubro pro HSBC de São Paulo, eu canto vários sucessos meus e umas oito músicas do novo disco. E ainda convidei pra participar a minha sobrinha, Lu Carvalho, que está fazendo uma carreira de cantora, de sambista.
“Nosso Samba Tá Na Rua” foi lançado em 2011 e teve o seu repertório escolhido por uma votação popular. Como foi isso?
Isso eu sempre fiz desde o primeiro disco que eu fiz na minha vida. Eu sempre tive um júri de pessoas de diversas classes sociais. Eu gravo as músicas que eu acho boas, mais do que 14, aí eu boto sem o nome do autor, pra não influenciar e pra não expor, e o título da música. As pessoas votam de 1 a 5 e as mais votadas são as que, provavelmente, irão pro disco. Não que seja uma regra que não se mude, mas me dá uma orientação muito grande.
“Chega”, uma das músicas de “Nosso Samba Tá Na Rua”, fala muito sobre o sexo feminino. Por que é tão incomum o samba dar voz às mulheres? Para você, o samba será sempre um estilo musical machista?
Não é o samba, é o Brasil, é o mundo. O mundo ainda está muito machista. Você vê que se espanca uma mulher a cada 15 minutos, algo assim. Isso é inadmissível no século 21, né? É uma coisa que não parou, diminuiu, mas não parou. Então é sempre bom a gente fazer uma denúncia sobre isso. Tem “Se Vira”, que também é uma música feminista que tá no disco, e essa “Chega”.
A sua carreira tem mais de 45 anos e você já lançou 40 discos, entre trabalhos de estúdio e registros ao vivo. Há ainda alguma coisa, musicalmente falando, que você tenha vontade de fazer e ainda não tenha tido coragem ou tempo para executar?
Eu não tive tempo, mas eu tenho muita vontade de fazer um disco de músicas revolucionárias da América Latina. Eu queria colocar o Silvio Rodrigues, a Mercedes Sosa, que já não está entre nós, cantar músicas da Violeta Parra, da Isabel Parra, do Ángel Parra… são compositores importantes da música latino-americana revolucionária. É um sonho que eu tenho que espero ainda realizar.
Você começou no balé e foi estudar violão na adolescência. Você se lembra do dia que decidiu virar cantora?
Eu sempre gostei muito de cantar, mas eu não tinha isso na minha mente. Ser cantora não era o que eu pensava, eu pensava em ser bailarina. Mas a vida me trouxe pro canto e eu adorei e adoro minha carreira, adoro minha profissão. Graças a Deus, estou aí. É como se eu não tivesse passado esse ano no hospital, sabe? Parece que o tempo deu uma parada. O tempo não para, né? Mas ele deu uma parada pra mim (risos) e eu voltei com tudo!
Por ter sido bailarina, a música clássica, como Tchaikovsky, tem influência nas suas composições?
Eu tenho ouvido bastante erudito pro samba (risos). As pessoas me consideram uma pessoa que sabe escolher repertório muito bem e eu acho que tem muito a ver com essa minha educação musical erudita, que enriquece qualquer pessoa. Você falou do Tchaikovsky, ele é o meu compositor preferido! Ele é maravilhoso. Choro pra caramba, me emociono todas as vezes.
Já faz algum tempo que o samba, especialmente no Rio de Janeiro, vem perdendo espaço para o funk. Em sua opinião, por que isso está acontecendo? Há algum culpado?
Olha, o samba sempre foi perseguido (risos). Porque ele é um ritmo muito exuberante, é o ritmo mais representante da música brasileira. E as pessoas tem uma tendência a não serem patriotas. Temos essa influência americana muito forte ainda, o mundo inteiro tem. As gravadoras são multinacionais e muitas delas estão nos Estados Unidos, então os Estados Unidos impõem o mercado deles no mundo inteiro. Isso não é de hoje. É o rock, é o funk, é a música americana, de uma maneira geral, imposta no mundo inteiro. E o pior é que eu não tenho nada contra a música americana, mas contra a música americana ruim eu tenho. Porque é música ruim, de má qualidade. Tem a música americana que é muito boa, principalmente a da minha geração: as músicas de Cole Porter, as músicas que Frank Sinatra gravava, Judy Garland… essas pessoas que cantavam muito e gravavam músicas belíssimas, o jazz, o blues, que eu adoro também. Agora, essa musiquinha que o americano está apresentando agora, está influenciando o mundo inteiro, inclusive o Brasil. E isso é muito ruim. Prejudica a cultura de um povo, sabe? Eu acho que é o seguinte: a gente deve nunca tentar escolher pra si a música do opressor. Americano é o povo que mais oprime o mundo inteiro e a gente vai ficar cantando em inglês? Eu não consigo entender que no Brasil as pessoas tem a mania de cantar em inglês. Vamos chegar onde? Não vamos chegar a lugar nenhum. O funk do Brasil é melhorzinho, porque se misturou com o samba. Não as letras, o ritmo.
Você ganhou o título de madrinha do samba depois de descobrir talentos como Dudu Nobre, Zeca Pagodinho e outros tantos. Hoje, há algum artista novo que você admira e recomendaria?
Eu gosto muito, sou madrinha dela inclusive, da Mariene de Castro, que é uma cantora baiana que está ganhando o Rio de Janeiro. A minha sobrinha Lu Carvalho, que está fazendo uma carreira solo muito legal, muito promissora, inclusive. Ela vai participar do meu show no HSBC, em São Paulo, no dia 28 de outubro. A minha filha Luana que, como compositora, está no meu disco. E tem muita gente do instrumental que está maravilhosa: Hamilton de Holanda, o próprio Yamandu [Costa], que já é consagrado, mas é novo também. Eu acho que a parte instrumental do Brasil está muito bem.
O que podemos esperar da Beth Carvalho para o Carnaval 2014?
Não sei o que eu vou fazer, não. Talvez eu vá assistir ao desfile, mas acho que não vou desfilar. E torcer pra Mangueira, né (risos).