Lucio Maia revela bastidores de Seu Jorge e Almaz e o fim precoce do projeto

09/08/2023

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Guilherme Serrano

Por: Guilherme Serrano

Fotos: Reprodução

09/08/2023

Em 2011, foi lançado no Brasil o primeiro e único disco do projeto Seu Jorge e Almaz, que uniu o cantor carioca ao multi-instrumentista Antonio Pinto e aos membros da Nação Zumbi Lucio Maia (guitarra) e Pupillo (bateria). O grupo surgiu de forma curiosa: em 2008, Walter Salles lançaria o filme Linha de Passe ao lado da também diretora Daniela Thomas. Paralelamente a isso, Lucio Maia fazia shows de seu então projeto solo de nome Maquinado. E quase por acaso, uma das performances do guitarrista foi requisitada para a trilha sonora do filme.

“Eu, Antonio Pinto e Pupillo fomos convidados pelo Walter Salles para fazer a trilha sonora do Linha de Passe. O Walter falou que uma assistente dele foi a um show meu uma vez, do projeto Maquinado, e ficou maravilhada com uma música do Nelson Cavaquinho que eu toquei. Era ‘Juízo Final’, que eu costumava mesmo utilizar no meu repertório. Aí o Walter falou pra gente fazer ela”, conta Lucio Maia em entrevista à Noize.

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Além do deslocamento do ambiente tradicional do samba, o que havia de especial naquela performance era o uso de um pedal que dava um tom quase robótico à voz. No entanto, não foi essa interpretação que entrou na trilha sonora do filme. O motivo foi a mera lembrança de Lucio Maia sobre uma uma vez em que dividiu o palco com Seu Jorge.

“Nós estávamos no estúdio e eu estava lembrando, contando pra eles de uma vez que eu chamei o Seu Jorge pra subir ao palco e ele cantou ‘Juízo Final’ maravilhosamente bem. Aí os caras falaram: ‘Vamos chamá-lo!’. A gente ligou pro Seu Jorge na hora. Ele estava no aeroporto, chegando em São Paulo do Rio de Janeiro, e foi direto pro estúdio. Quando ele chegou lá e viu o time, começou a falar que tínhamos que montar uma banda”, relembra. 

A ideia agradou a todos, mas o foco naquele momento era a trilha sonora do filme. A solução encontrada foi adotar uma espécie de dupla jornada de trabalho a fim de rapidamente construir um repertório para aquela banda recém formada.

“De dia, trabalhávamos na trilha do filme, e de noite no Almaz, que nem tinha nome ainda. A ideia era todo mundo trazer discos de casa para que ouvíssemos juntos. Eu, por exemplo, levei o Kraftwerk de onde saiu ‘The Model’; o Quem é Quem (1973), do João Donato, de onde saiu ‘Cala Boca, Menino’… Então cada um ia levando uma ideia, e quando todo mundo falava: ‘Essa é boa, vamos gravar’, a gente fazia o arranjo na hora, entrava no estúdio e já gravava”, diz.

O disco foi lançado com 12 canções de 12 compositores diferentes, incluindo ‘Juízo Final’, de Nelson Cavaquinho, mas o grupo gravou um repertório ainda maior. Algumas faixas já eram sucessos em suas versões originais, como “Errare Humanum Est”, de Jorge Ben Jor, e “Cristina”, de Tim Maia. Outras, por sua vez, eram desconhecidas até por membros da banda. É o exemplo de “Água Viva”, faixa do álbum Krishnanda (1968) de Pedro Santos, que ficou de fora do disco, mas era tocada nos shows.

“Claro que havia músicas cujas autorias eram muito óbvias, mas outras, menos conhecidas, as pessoas achavam que eram nossas. Então a gente até aproveitava para falar sobre os verdadeiros compositores daquelas obras. Água Viva, por exemplo. Pupillo levou o Krishnanda em CD, e quando tocou ‘Água Viva’, o Seu Jorge falou: ‘caralho, que música foda!’. Ele não conhecia aquela música, e entendeu que ela tem um ciclo muito simples, mas ao mesmo tempo muito rebuscado. Isso falando em relação ao cantor. Para ele, aquilo foi um grande desafio, então ele que pilhou pra fazer aquela música”, afirma.

O disco foi lançado primeiro nos Estados Unidos e na Europa, em 2010, e só no ano seguinte chegou ao mercado brasileiro. Internacionalmente, o trabalho foi bem recebido, o que rendeu muitos shows para a banda. Por outro lado, a repercussão no Brasil não foi tão grande, o que segundo Lucio Maia, contribuiu para o fim precoce do projeto.

“A gente fez só quatro shows no Brasil. Fizemos 22 shows nos Estados Unidos, 21 shows na Europa e quatro no Brasil. Porque não tinha interesse. Foi muito decepcionante. Mas fizemos um show no Rio, em uma casa que deve caber cerca de 150 pessoas. Era bem pequeno. Aí foram vários artistas e críticos, como Marisa Monte, Frejat, Zuza Homem de Mello… E eles saíram de lá adorando! Então nós tivemos essa resposta positiva dos críticos, mas não do público, por isso que acabou morrendo o projeto. Mas foi lindo de fazer”, diz.

O guitarrista acredita que o baixo sucesso do disco no Brasil se deu sobretudo por um desalinhamento entre o público alvo do Almaz e o público que estava acostumado a assistir aos shows solo de Seu Jorge.

“O público do Seu Jorge é mais voltado para o samba e pagode. E o Almaz também foi uma tentativa dele estourar essa bolha. Mas foi muito difícil. Tem muita gente que vai no show do Seu Jorge mais pela balada toda, pela festa, pela azaração. E o show do Almaz é um show para você prestar atenção nos arranjos de guitarra, nas levadas de bateria… uma coisa pra sentar e assistir”, afirma.

Apesar disso, Lucio Maia relembra com carinho o período de atividade com Almaz e Seu Jorge e não demonstra nenhum ressentimento com o fim do projeto. Pelo contrário, exalta o nível musical alcançado e fala com bom humor sobre a dualidade entre sucesso financeiro e sucesso artístico.

“A gente achou que ia vender disco, que ia fazer isso e aquilo, mas não aconteceu. Não houve retorno financeiro. A maior parte desses projetos que eu fiz me deram muitos louros artísticos. Financeiros nem tanto, mas artísticos foram muitos! E pra mim, no final das contas, é o que alimenta a alma. Eu vejo várias pessoas super bem de vida, com grana, falando: ‘Eu queria isso que você tem’. Aí eu respondo que é o preço que se paga. Se eu pudesse voltar atrás e escolher entre ter dinheiro e ser medíocre artisticamente ou ser realizado na arte e não ter grana, acho que escolheria ficar com o dinheiro! (risos)”, completa.

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