Ser artista é ter o que externar. É acordar no meio da noite pra escrever, pois alguma inquietação interrompe o sono como numa tentativa de sugerir ao poeta que vale a pena escrever. Não é questão de hype, grana e “link na bio” do Instagram. É esforço, sofrimento, estudo e mais dezenas de sensações/sentimentos que afetam o eu lírico.
Vale a pena ser poeta? O camisa dez Jards Macalé jogou essa pergunta no ar em 1974, na época de Aprender a Nadar, e até hoje essa frase é um relato atemporal sobre a sensibilidade que eterniza os grandes compositores.
É muito difícil sintetizar essa insólita condição humana, é necessário ver ao vivo pra crer e a cada rara oportunidade que o público brasileiro tem para apreciar as linhas de Jair Naves, fica claro como a urgência é a principal característica de quem tem, de fato, algo a dizer.
Naves canta com a paixão de quem quer lhe despertar para alguma coisa. Possui o magnetismo e a expressividade de quem não tem medo de mostrar suas inseguranças no palco. Nos ecos de seu terceiro disco solo – o elogiado Rente (2019) – ele canta e conduz uma plateia perplexa e que entoa todas as letras de seu repertório que – ao vivo, é ainda mais visceral do que em estúdio -, com uma paixão que chega a impressionar.
Em mais uma passagem pelo Brasil, o músico fez um show memorável no Centro Cultural São Paulo no dia 19. Acompanhado por Rob Ashtoffen (baixo), Renato Ribeiro (guitarra) e Lucas Melo (bateria), o paulista mostrou – mesmo sem voz, já no BIS – como é importante valorizar o encontro.
Como uma espécie de Albert Camus boia-fria que transita entre Brasil e Estados Unidos para conseguir tocar com seu grupo e cuidar da sua carreira, Jair Naves representa “Lampejo de Lucidez” – como ele mesmo diz no disco – num cenário musical cada vez mais descartável.
Ao vivo, toda essa inquietação e vontade de externalizar são amplificadas por um trabalho instrumental soberbo por parte de sua banda. A guitarra do Renato Ribeiro explora riffs e ambientações inteligentes, com um set up de guitarra muito interessante. A sessão rítmica, formada por Rob e Lucas, trabalha com em total sinergia, fazendo um Rock ‘N’ Roll bem tocado, sem aquele som quadrado e com um balanço necessário.
Todo esse contexto climático criado pela banda funciona como uma ambientação para que Jair Naves ilumine o caos. É um espetáculo cru, mas com uma sensibilidade quase poética. É impactante e quem esteve presente talvez nem consiga explicar. Por pouco de uma hora, um CCSP lotado viveu uma noite única. Com todos os espectadores ao redor do palco, a atmosfera estava tão intensa que Jair terminou o show sem voz.
Extasiado, exausto, mas no fim do dia sempre fiel aos seus ideias, o front man mostra um brilho de quem não tem medo de sentir e nos faz pensar em procurar o número do Jards Macalé na lista telefônica só pra poder responder que “SIM”, definitivamente, vale a pena ser poeta.