Fotos: Camila Mazzini
Antes de iniciar o relato, vale estabelecer o intuito deste texto. A banda cuja apresentação será aqui descrita não é novata. Tratam-se de artistas veteranos, com uma base de fãs muito leais (e presentes no evento). Logo, torna-se desnecessário analisar o concerto para quem já sabe que ele é bom. Sejamos transparentes, portanto. Essa resenha tem como objetivo mostrar a você, amante da música, que o show do Yo La Tengo é uma experiência de vida obrigatória. Se você já é fã, não vá embora: acompanhe a dissertação e avise se nela faltou alguma coisa.
O Yo La Tengo se apresentou nesta terça, 3 de junho, no Cine Joia, em São Paulo. O espetáculo foi realização do festival Popload Gig, e o grupo trouxe ao Brasil a turnê de seu disco mais recente: Fade (2013). Existe um termo na língua inglesa popular para se referir a criminosos que vivem na “vida loka” por muito tempo: Original Gangster, mais usado com a singla O.G. O power trio formado por Ira Kaplan, Georgia Hubley e James McNew poderia receber o título de O.I., para Original Indie. Esses caras já faziam música fora do mainstream quando Win Butler ainda era uma criança mórmon vivendo nos subúrbios do Texas.
A experiência do Yo La Tengo já fica aparente nos primeiros acordes que se ouve num show dos caras. Com as camadas supremas de acordes de guitarra em “Stupid Things”, canção que abriu a noite no Joia, o espectador percebe que está diante de uma monstruosidade musical: três pessoas em uma pequena casa de shows, transformando o ambiente com um furacão sonoro (é bom notar que o som do espaço estava muito bom). É a melhor forma de ver o YLT: com calma, num lugar de pequeno/ médio porte e com uma plateia disposta a entrar no universo distorcido e sinestésico criado por Kaplan e cia.
A aula de noise rock seguiu com “From a Motel 6”, um experimento pop com camadas sujas de delay massacrando os falantes. Sem grande alarde ou discursos de “Yeah! Festa”, a banda disparou “Autumn Sweater”, fazendo uma transição perfeita entre o barulho das guitarras das canções anteriores e o groove doce desta bela faixa.
Maestros de um tipo de música que remete a lugares e sensações, o Yo La Tengo começou seu concerto nos levando de ocupações de squatters anarquistas de Londres para uma caminhada alegre no High Line Park em Nova York. Saia da cidade e ande na praia: os sons de “Last Days of Disco” parecem baleias cantando para embalar uma luau que não deu muito certo: os convidados não apareceram e o anfitrião ficou sozinho de frente pro mar. “Super Kiwi” soa ao vivo como se alguém tivesse dado um ácido bem forte para os caras do Belle and Sebastian.
O primeiro e tímido “oi” de Ira Kaplan demorou 7 músicas para aparecer. Mas foi uma cortesia, uma convenção social desnecessária. Bandas que realmente têm algo a dizer normalmente não precisam de discursos para se comunicar. Quando a mensagem é forte, bastam as canções.
Após esse breve diálogo, a diva low profile Georgia Hubley assume a frente do palco e entrega uma incrível performance de “Cornelia and Jane”. Sabe aqueles anjos de voz feminina que agraciam o underground de tempos em tempos? A esposa de Ira interpretando baladas ocupa o mesmo panteão habitado por Nico e Kim Gordon; é um evento delicado, triste, sexy e hipnótico. A dobradinha com “Nowhere Near” foi de chorar. É como se os Beach Boys tivessem se afogado e Georgia estivesse lá para cantar no funeral.
A apresentação toma rumos épicos em sua reta final. Os últimos minutos de “Before We Run” poderiam ser tocados por horas (fãs puristas podem reclamar da falta dos metais presentes na versão de estúdio; porém, as guitarras de Kaplan ao vivo conseguiriam preencher até os furos de roteiro da última temporada de Lost, se necessário).
A sequência avassaladora de “Deeper Into Movies” e “Tom Courtenay” convergindo para “Ohm” é tão dissonante e cativante quanto um encontro do Sonic Youth com os Carpenters. A euforia na última canção da trinca foi tanta que Ira não apenas se jogou na plateia, como também arremessou sua guitarra para que a audiência fizesse os últimos acordes.
Após “The Story of Yo La Tengo” e uma breve pausa, veio o bis, que começou com “Gimme All Your Lovin”, um cover do ZZ Top mostrando como os mestres indie também sabem tocar rock com pegada mais “tradicional”. Neste momento, incrivelmente satisfeito com o andamento da noite, Ira aceitou o pedido de uma fã, que solicitou uma execução de “You Can Have it All”, cover fofo que o YLT fez para uma composição de George McRae. A esta menina da primeira fileira (para quem a música foi dedicada), parabéns: você já teve um momento de sua vida que poderia ter sido roteirizado por Diablo Cody. Cheque seus anticoncepcionais, ou você corre o risco de ficar grávida do Michael Cera.
Dentre as diversas homenagens/referências neste texto, a mais importante fica a cargo da própria banda, que fechou o setlist com “I Found a Reason”, do (precisa dizer?) Velvet Underground. Em tempos nos quais ainda choramos a morte do grande Lou Reed, foi impossível não se emocionar.
Mais do que um show, o Yo La Tengo entrega nos palcos uma aula sobre a história da música alternativa contemporânea, da qual a banda norte-americana é, merecidamente, uma gloriosa protagonista.