Festival de música é correria, seja pra quem está trabalhando ou pra quem está ali só curtindo. Muita banda, shows curtos e intervalos menores ainda fazem com que qualquer vacilo comprometa sua agenda do dia, seja de um grande festival ou um de menores proporções.
Mas a parte boa é justamente essa: são muitos shows num dia só, diferentes públicos reunidos no mesmo local e a possibilidade de conhecer e se surpreender com sons novos. Nesse 2016 o Festival Vaca Amarela completou 15 anos, reafirmando a força que a cena de música independente tem em Goiânia. O Bananada e o Goiânia Noise também são festivais que já passaram dos seus 10 anos de existência. Tem muita vontade de fazer a coisa acontecer por aqui, mesmo em meio a falta de incentivos, crises, cortes e etc.
Que as bandas goianas têm atraído olhares Brasil (e por que não mundo?) afora nos últimos anos, isso é fácil de acompanhar. O Vaca Amarela levou algumas delas para o Rio de Janeiro no último dia 10 para uma edição especial dentro da programação das Paralimpíadas. Uma Fundição Progresso lotada pra conferir o que os goianos estão aprontando foi um bom jeito de dar o start no festival, que rolou nesse último fim de semana, nos dias 23, 24 e 25.
O Vaca voltou às origens e aconteceu no icônico Centro Cultural Martim Cererê, que já foi palco de shows e acontecimentos históricos, alvo de controvérsias e ficou fechado por um tempo pra tristeza e revolta dos jovens e não-jovens frequentadores do local. O espaço conta com dois teatros, o Yguá e o Pyguá, cada um com um palco em que os shows eram revezados. Acabava um, começava o outro. Na área externa do Martim tinham banquinhas, área de alimentação e o bar. Ali no meio de tudo tinham DJs se revezando nos sets – e de vez em quando rolava um som improvisado de alguns músicos em frente à banquinha do selo Lalonge.
Bandas independentes, grande parte delas locais e desconhecidas do grande público se juntaram a atrações de outros cantos do país. O clima dessa edição do Vaca Amarela era de um encontro entre amigos, do pessoal das antigas com a nova geração. Ludovic, Porcas Borboletas, As Bahias e a Cozinha Mineira, Francisco, el Hombre, Rafael Castro e Vitor Brauer se juntaram aos goianos Carne Doce, Brvnks, Peixefante, Overfuzz e Hellbenders.
Era muita coisa rolando praticamente ao mesmo tempo e decidimos compilar o que achamos ser os destaques dos três dias. Alguém que não foi comentado pode ter sido injustiçado, já que não deu pra ver todo mundo.
23 de setembro
A sexta-feira de Vaca Amarela começou pra gente com os minutos finais do show da Components, uma das bandas que participou da edição carioca do festival. Meia Noite Meia entrou com seu pop dançante e conseguiu entreter bem o público que não estava familiarizado com o grupo. O EP novo deles foi produzido pelo Rafael Castro.
Logo depois começou Billy Pilgrim, que enfrentou problemas no som, mas sem comprometer sua apresentação forte. MC MMK, do grupo goiano Faroeste, subiu no palco e cantou uma música com ele.
O trio carioca Ventre já havia passado outras duas vezes por Goiânia e subiu ao palco às 23h. Juliana Strassacapa, da banda Francisco, El Hombre (que fechou o sábado de Vaca) participou em “Mulher” dividindo os vocais com Gabriel Ventura. O show terminou com uma fala de Larissa Conforto, baterista do grupo, destacando a importância daquele momento de se reunir e trocar experiências. Ela falou também de respeito às mulheres, de união e finalizou com uma critica ao sistema político.
Rafael Castro já havia se apresentado no Martim Cererê no ano passado, quando o seu disco Um Chopp e um Sundae estava recém-lançado. A sensação de que nada ali é muito serio (a começar pelo figurino) é característica das apresentações do Rafael, que já recebeu título de “melhor show do ano” certa vez. É pra dançar e é pra rir junto. “Ciúme” foi a última música, com direito a guitarra jogada pro alto e tudo mais.
Na onda das batidas eletrônicas, o Ara Macao subiu ao palco colocando uma galera pra dançar. Esse é um projeto paralelo de Luis Calil, vocalista e compositor da banda Cambriana – que ainda permanece “sumida” depois daquele sucesso estrondoso que tiveram. Ele aposta no formato com uma guitarra, um saxofone, programações de computador e alguns covers, como da própria Cambriana e da australiana Tame Impala.
Carne Doce foi a penúltima atração da noite e a mais esperada desse primeiro dia de Vaca Amarela. O destaque do show foi para o Princesa, álbum lançado há um mês. É pouco tempo, mas o publico já sabia de cor a maioria das músicas como a raivosa “Falo”, “Artemísia” e “Cetapensâno”. Show da Carne Doce é sempre uma troca intensa entre banda e público; eles são quase cúmplices ali. A grande parcela disso se deve à Salma Jô, vocalista e letrista do grupo, a líder e a diva. Em “Fruta Elétrica” ela foi de encontro ao público, que ganhou “Adoração” como última música depois de pedir “bis”.
A pernambucana Mombojó fechou o primeiro dia de festival e subiu ao palco já às 2h40. Quem resistiu até ali pôde assistir a mais de uma hora de show, que contou com participação de Daniel Beleza em algumas faixas. “Discurso Burocrático” e gritos de “fora Temer” encerraram a sexta que já era sábado há quatro horas.
24 de setembro
O sábado no Martim Cererê começou pra nós logo ao anoitecer. Pegamos o finalzinho do show da banda Lutre, em que o vocalista Marcello Victor já estava sem camisa e ofegante. Experimentações e certa agressividade no vocal foi o que conseguimos ver ali. Na sequência veio a BRVNKS, banda goiana que é comandada pela Bruna Guimarães. “Freedom Is Just A Name (For What I Want You To Be)” abriu o show e é também a primeira faixa do EP de estreia Lanches, lançado há alguns meses. Rolou ainda música nova que ainda nem tem nome em meio a “Don’t”, “Harry” e “Bunch of Fries”, as outras faixas do EP. A BRVNKS tá no comecinho e entra naquela lista de “novas bandas pra se ficar de olho”.
Vitor Brauer e o baterista da banda Lutre, Jefferson Radi, surgiram com camisetas amarradas no rosto, que não resistiram no mesmo lugar até o final do show no teatro quente. O mineiro se apresenta como “o melhor compositor do Brasil” e, por isso, convidou os “melhores bateristas da cidade” pra tocar com ele nessa fase solo. Ricardo Machado, do Carne Doce, e Ynaiã Benthroldo, do Boogarins, eram os primeiros dessa lista, mas nenhum dos dois estava disponível. Fica pra próxima. Começando com “Fogo-Fátuo”, o show foi um presente para os fãs de Lupe de Lupe. Teve “RJ – Moreninha”, “SP – Pais Solteiros” e “Homem” também. Entre uma música ou pausa pra afinar o violão e outra, Vitor fala meio naquele tom de devaneio de suas composições com a plateia, dando a impressão de que estamos todos em uma conversa descontraída com ele. Suas letras fortes foram acompanhadas por um público curioso e músicos do Francisco, el Hombre, Lutre e Boogarins. “Eu Já Venci” foi a última música, pedida por alguns gritos da plateia.
Na sequência, a Peixefante reuniu um público que entrou na onda de uma “psicodelia pop”. São dois teclados, muitas luzes e a plateia pareceu estar curtindo bastante.
Se for pra dar estrelinhas, este show aqui merece várias. Ludovic voltou ao Martim Cererê começando o clima de nostalgia que invadiu essa noite de festival. O disco Idioma Morto completou 10 anos em 2016 e o show do Vaca Amarela entrou na comemoração. A nostalgia, é claro, ficou para o público mais velho da noite, que acompanhou o Ludovic no auge e os viu ficar um bom tempo parados. O público mais jovem, no entanto, aproveitou tanto quanto a oportunidade de vê-los ao vivo. Não teve muita quebradeira, mas “Você Sempre Terá Alguém a Seus Pés” rolou com as luzes acesas e invasão do palco pelo público. Não foi tão invasão assim porque foi a pedido do vocalista Jair Naves, que agradeceu os goianos por não terem esquecido da banda durante esse tempo todo.
Enquanto a Pó de Ser se apresentava dentro do teatro, a Ultravespa começou a tocar do lado de fora, em frente às banquinhas e estandes que ocupavam parte da área externa do Martim Cererê. Aconteceu fora da programação, meio de improviso e reuniu muita gente pra assistir. Pra quem não conhece, Ultravespa é uma banda de Goiânia da época em que o Dinho Almeida, do Boogarins, ainda não era uma celebridade da cena musical independente e tocava em quase todo evento que estivesse rolando pela cidade e interiores.
Continuando a onda de matar as saudades, o Porcas Borboletas fez um daqueles shows pra se divertir. Teve “Todo Mundo Tá Pensando Em Sexo”, “Tudo Que Tentei Falhou”, “Super Herói Playboy” e mais um monte de sucessos do grupo mineiro, que também contou com participação especial de Daniel Belleza.
A forte chuva que caiu no Martim Cererê fez com que andar ao ar livre de um teatro a outro não fosse a melhor opção para a maioria das pessoas. Mesmo assim, a banda Johnny Suxxx n´the Fucking Boys se apresentou abençoada pela imagem de uma santa com maquiagem do Kiss feita pela artista Ana Smile, uma referência à polêmica que o festival enfrentou com a primeira arte divulgada dessa 15a edição. A história é longa, mas vale a pesquisada.
O Muntchako, de Brasília, botou a galera pra dançar com suas músicas que são praticamente todas instrumentais. Um bom jeito de esquentar pros dois últimos shows da noite, As Bahias e a Cozinha Mineira e Francisco, El Hombre, com direito a funk pra finalizar.
Quando as vocalistas Raquel Virgínia e Assucena Assucena se soltam no palco, fica nítido o motivo de As Bahias e a Cozinha Mineira ser um dos shows mais esperados do sábado de festival. Vozes marcantes, presença de palco e a vontade de espantar qualquer preconceito e machismo dali. As duas, que são transsexuais, conseguiram emocionar o público presente com as canções do disco Mulher.
Terminando a saga do segundo dia de festival, Francisco, El Hombre subiu ao palco com seu novíssimo Soltasbruxa, disco que foi lançado no começo desse mês. O sábado de Vaca Amarela acabou em clima de festa latina, com banda e plateia curtindo até o final.
25 de setembro
O rap ganhou mais força no domingo, a exemplo da MC Jade, do grupo goiano VMG. Ela já se apresenta há algum tempo na capital e conquistou o público que parou pra vê-la no festival. Antes dela, o Rollin Chamas fez o tradicional e performático show deles, o primeiro com Augusto, o novo baterista.
A Dogman é daquelas bandas que sempre prende a atenção da plateia, seja pelas músicas do Homo Homini Canis, disco que eles lançaram ha alguns meses, ou pela performance do vocalista Haig. Não adianta procurar; o público pode estar eufórico que o Haig é a pessoa que mais vai estar se divertindo ali. “House Of The Rising Sun”, do The Animals, também não falta no show da Dogman.
Já que estamos falando de showman, dos shows da Overfuzz sempre se espera uma surpresa do baterista Victor Ribeiro. Ele apareceu todo pintado de vermelho, com chifres, rabo e segurando um tridente. Quem ouve a calmaria com que Victor conversa nem acredita no que ele se transforma no palco. Um dos shows de mais destaque da edição carioca do Vaca, a Overfuzz era uma das atrações mais esperadas pelo público de domingo e fechou a apresentação com a música “No Bliss”.
Os últimos representantes do rap antes do headliner de domingo foram os também goianos do grupo Faroeste. MMK, que cantou junto com Billy Pilgrim, DZ e o DJ Rodrigo Lagoa formam o grupo que também participou da edição do ano passado do festival, reforçando que o rap tem, sim, vez em festivais que antes destacavam somente o rock.
Quem não estava no Martim Cererê até então pra ver Gabriel o Pensador, estava pra ver Hellbenders. O teatro lotado piorou ainda mais o calor, mas é o tipo de coisa que ninguém se importa. Entre uma música nova, algumas do primeiro disco e um cover de “Breed”, do Nirvana, eles apresentaram faixas do último álbum Peyote, que gravaram no Rancho de La Luna. Público cantando junto, umas porradas de lá, uns chutes ali. Não é a toa que eles estão sempre presentes nos line ups dos festivais da cidade, né?
Depois disso tudo, quem fechou o festival foi Gabriel, o Pensador. Em poucos segundos já era impossível entrar no teatro, e isso que eram mais de 1h da manhã de uma segunda-feira. Aqueles sucessos tocados, público eufórico e satisfeito e show bem repercutido. O Vaca Amarela cumpriu seu papel.
No próximo sábado (1) o festival chega em Brasilia pra uma edição especial junto com a produtora Abraxas (RJ). The Vintage Caravan (Islândia), Overfuzz, Almirante Shiva, Toro, Komodo, A B I S M O e Into The Dust formam a programação do evento, que ocupa a Praça do Conic (mais informações aqui).