Riachão nos deixou um presente em forma de álbum; ouça

28/01/2025

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Por: Revista NOIZE

Fotos: Divulgação/Antonio Brasiliano

28/01/2025

Riachão nos deixou em 2020, aos 98 anos, mas, para a nossa sorte, ficou um disco póstumo. Onde Eu Cheguei, Está Chegado (2025) foi feito a várias mãos, mas mantendo a essência do mestre do samba. Riachão participou ativamente da criação deste projeto, previsto para ser uma comemoração ao seu centenário.

Era, inclusive, para o disco ter levado o nome criado pelo próprio – Se Deus Quiser Eu Vou Chegar aos 100. Mas, ainda que infelizmente não tenhamos essa homenagem, ganhamos um presente com uma obra recheada de canções inéditas e participações especiais.

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Riachão já havia gravado parte dos vocais, que foram aproveitados em quatro faixas em parceria com Criolo, Martinho da Vila, Roberto Barreto e seu neto, Taian, reforçando o caráter familiar e colaborativo do projeto. Outras faixas contam com interpretações de Teresa Cristina, Pedro Miranda, Roberto Mendes, Josyara e Juliana Ribeiro, em uma produção assinada por Caê Rolfsen e Paulinho Timor.

Entre as canções, estão “Sou da Bahia”, “Tintin”, “Sua Vaidade Vai Ter Fim” e “Samba Quente”, que contam ainda com um time de 20 músicos tocando instrumentos de cordas, percussão e sopro, além de coros que dão o tom coletivo ao disco.

O álbum tematiza as reminiscências de infância, numa nostalgia comum a quem já está percorrendo o fim da jornada. O partido alto é exaltado em faixas como “Uma Vez na Janela”, com participação de Tereza Cristina, já o sincopado aparece na adorável “Tintim” – fazendo referência ao apelido que a mãe deu a Riachão ainda menino.

“Tudo foi feito da maneira como ele gostaria, a começar pela seleção do repertório, iniciada pelo criador em parceria com os produtores. Na ausência do compositor, grandes artistas de diferentes gerações jogam luz sobre suas canções inéditas”, conta o jornalista Lucas Nobile.

“É disco rico em detalhes e de natureza acintosamente popular. É samba da Bahia mais bonita que pode haver. Lá do alto – ao lado de seus pares Batatinha, Panela, Alcyvando Luz, Assis Valente, João Gilberto e Caymmi –, Riachão pode descansar com sua inseparável toalhinha pendurada no pescoço e abrir seu largo sorriso, pois seu legado, com este álbum, há de perdurar por mais de 100”, finaliza.

Leia o Faixa a faixa, por Caê Rolfsen e Paulinho Timor:

Sou da Bahia”: Traz o samba de roda para a discografia de Riachão – filho de pais do Recôncavo Baiano, da cidade de Santo Amaro –, tendo em vista que, em seus trabalhos anteriores, não havia sido registrado esse gênero. Exalta também o bairro do Garcia, onde Riachão nasceu e viveu até o fim de sua vida. Para abrilhantar ainda mais, a presença de Roberto Barreto e sua inconfundível guitarra baiana, acompanhada pelo violão sincopado de Caê Rolfsen como base e os tambores do Ogã Iuri Passos e demais percussões de Bruno Prado.

Tintin”: Em homenagem à sua mãe, Stephania Rodrigues, através desse samba sincopado, Riachão retrata suas memórias da infância, quando era chamado pelo apelido de Tintin entre seus familiares. Em um encontro atemporal entre a voz de Riachão, registrada a capella, e a voz de seu neto, Taian Paim, a gravação estende-se ainda como ponte do legado musical da obra de Riachão para as novas e futuras gerações musicais, representadas aqui pela participação de Murilo Tigrinho, músico de apenas 9 anos, na flauta. Por fim, a voz falada de Nega Duda traz vida à mãe de Riachão enquanto personagem que narra a letra do samba em primeira pessoa, acompanhada por Rodrigo Campos, no cavaco, e por Xeina Barros, Paulinho Timor e Caê Rolfsen na percussão.

Uma vez na janela”: Esse é um dos sambas que Riachão mais gostava de cantar. Uma crônica do seu dia a dia. Traz uma fusão brasileira do samba carioca, com a voz da cantora Teresa Cristina e o toque do samba de partido Alto nos pandeiros; do samba de roda presente no interior brasileiro, marcado pelo timbre da viola de 10 cordas de Caê Rolfsen; e da música cubana, presente no arranjo e no solo de trompete de Paulo Viveiro. Representa assim o elo comum entre a música diaspórica brasileira e cubana, apreciada por Riachão desde sua visita a Cuba, por ocasião da exibição do filme Samba Riachão (2001), do cineasta Jorge Alfredo.

Sua vaidade vai ter fim”: Samba com a marca registrada de Riachão, é daqueles que já nascem clássicos. Com a cara dos sambas da década de 1960 e batucada em primeiro plano, a faixa conta com auxílio luxuoso de Fred Dantas (trombone) e Dudu Reis (cavaco e violão tenor), músicos que desde jovens acompanharam Riachão pelos palcos da vida. Pedro Miranda interpreta com maestria e muita lealdade o modo como o malandro cantava.

Saudade”: Essa música era originalmente um tango, “Tango da Saudade”, e Riachão a interpretava nos palcos como um ator de teatro, andando de cá para lá e encantando o público com sua extrovertida presença. A partir da voz dele em gravação cantando à capela, surge uma versão que sampleia sambas antigos e dá uma linguagem atual para a canção. Canta com Criolo, que se emocionou durante a gravação ao relembrar momentos que passou ao lado de Riachão, a quem se refere como um de seus mestres musicais.

Sonho do mar”: Essa bela canção, entre as composições inéditas de Riachão, representa um gênero marcante na primeira fase da carreira do compositor: toada, executada à moda de viola, habitualmente cantada por ele entre as rodas soteropolitanas, acompanhada pela viola de 10 cordas de seu parceiro de longa data, o músico Sabiá. Para lembrar da ótima impressão que teve de Cuba, quando foi fazer seus shows por lá, esta releitura traz elementos da música latina e angolana, tendo inspirações em Ruy Mingas, Cesária Évora, entre outros. Martinho da Vila, grande amigo do mestre, ficou encantado com o arranjo de violões criados e interpretados pelo produtor musical Caê Rolfsen e se emocionou ao dividir a interpretação desta bela melodia em dueto com Riachão.

Samba quente”: Mais uma vez o samba de roda presente nesse trabalho, agora com arranjo, violão e voz de um dos nomes de maior referência nesse estilo musical, o mestre Roberto Mendes, que fez sua leitura e trouxe essa beleza para deleite de todos os ouvintes.

Oh, Lua”: Novamente o samba de roda presente na obra de Riachão, agora com uma cantora da nova safra baiana, Josyara, emprestando todo seu talento nos violões e a doçura de sua voz inconfundível. Traz mais uma vez as raízes do samba do Recôncavo Baiano, com a batucada da musicista Victória dos Santos nos atabaques. A força feminina fica bem representada nessa faixa.

Morro do Garcia”:Samba em exaltação ao seu bairro, Garcia, lugar onde Riachão nasceu, foi criado e morou até os últimos momentos de sua vida. Samba-batucada com bastante coro, do jeito que ele gostava. Juliana Ribeiro, sambista, pesquisadora e muito amiga de Riachão, divide a voz com Enio Bernardes. Também se destaca o trombone do maestro Fred Dantas, figura que acompanhou Riachão durante cinco décadas – como ele mencionou na gravação, “Um ciclo que se fecha”.

Homenagem a Claudete Macedo”: Falar de Riachão é falar do samba da Bahia e, ao falar do samba da Bahia, é preciso lembrar da maioral: Claudete Macedo. A cantora Nega Duda, com sua voz imponente, é digna desta representação. A música também é dedicada à sua “segunda casa”, como ele costumava chamar a Cantina da Lua. A faixa fecha o álbum com o propósito de dar destaque a uma figura de muita luz e seu melhor amigo, Clarindo Silva. Na fala de Clarindo, ele relembra momentos vividos por eles em mais de 60 anos de amizade e também de como esses dois mestres da cultura brasileira ajudaram e ainda ajudam na revitalização do Centro Histórico de Salvador.

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28/01/2025

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