Coletâneas em Vinil | O Mapa Musical do Brasil nos LPs de Marcus Pereira

23/08/2022

Powered by WP Bannerize

Erick Bonder

Por: Erick Bonder

Fotos: Reprodução

23/08/2022

Como sabemos, a variedade de expressões musicais típicas de cada região do Brasil é gigante. País afora, o cancioneiro popular tradicional coexiste com as novas manifestações artísticas. O folclore é passado de geração em geração e cada local possui seus ritmos e canções característicos, que ajudam a contar a história da formação de seu povo, em sua diversidade. 

A documentação deste vasto campo sonoro deve muito ao Discos Marcus Pereira, selo independente fundado em 1973, e à coleção Mapa Musical do Brasil. A gravadora inicialmente notabilizou-se por coletar, organizar e distribuir recortes da música regional brasileira em forma de discos de vinil. As coletâneas lançadas pelo selo constroem um verdadeiro arquivo das canções tradicionalmente cantadas por diferentes culturas no território nacional.


Inspirado nos estudos e registros da música folclórica feitos por Mário de Andrade, o publicitário Marcus Pereira fechou, no início dos anos 1970, sua bem sucedida agência para dedicar-se integralmente à produção de LPs.

Antes disso, havia organizado e lançado Onze sambas e uma capoeira (1967), de Paulo Vanzolini, e Brasil, flauta, cavaquinho e violão (1968), embriões do projeto que viria, distribuídos como presentes de final de ano para seus clientes da Marcus Pereira Publicidade e para amigos. Além da agência, Marcus era sócio, junto com Luiz Carlos Paraná, do Jogral, bar paulistano no qual reuniam-se artistas, intelectuais e entusiastas da música. Estes dois primeiros discos, ainda do final da década de sessenta, vieram na esteira da convivência boêmia e foram lançados por um selo com o nome do bar.

*


O primeiro registro voltado à música regional foi Folclore Musical Baiano, em 1971. O compacto simples contava com trechos de 11 canções populares ligadas à Bahia. Com pesquisa, arranjos e gravação de Walter e Tereza Santos, produtores dos jingles da agência de Marcus, o compacto foi distribuído para os clientes do Banco Econômico da Bahia.


Entretanto, o aprofundamento na documentação se deu em 1972, com a aproximação de Aluízio Falcão, que já havia trabalhado com o Movimento de Cultura Popular de Recife. Marcus e Aluízio decidiram botar de pé um projeto ambicioso de pesquisa e gravação da coleção Música Popular do Nordeste. Em suas perspectivas, a canção popular do interior do país deveria ser registrada antes que transformada pela influência do mercado fonográfico internacional, em crescente expansão. A agência, novamente, financiou o projeto.

Solicitaram, então, a Hermilo Borba Filho, presidente da Comissão Pernambucana de Folclore, que organizasse uma viagem pelos estados da região. O intuito era gravar, direto das fontes originais, a diversidade do cancioneiro nordestino. Hermilo convidou o grupo Quinteto Violado para realizar a empreitada. Após passagens por Sergipe, Bahia, Alagoas, Pernambuco e Ceará, os músicos haviam coletado mais de 15 horas de gravação. Bandas de pífanos, repentistas, rodas de coco, maracatus e diversas outras manifestações regionais foram registradas. 


Após a coleta, o Quinteto Violado foi para São Paulo. O grupo idealizou novos arranjos, que buscassem aproximar as composições coletadas ao público urbano, e parte das canções foram regravadas. Alguns registros originais, como da Banda de Pífanos de Caruarú, do Trio Elétrico Tapajós e da Banda Municipal de Recife, foram tratados e mantidos na coleção, lançada em quatro LPs. Os encartes possuíam textos de pesquisadores ligados ao tema, como Ariano Suassuna.

Depois de prontos, os discos foram distribuídos e tornaram-se um sucesso entre o público especializado, ganhando prêmios do Museu da Imagem e Som do Rio de Janeiro e da Associação de Críticos da Imprensa de São Paulo. Marcus decidiu fechar a agência de publicidade e criar uma gravadora. Assim, surgiu a Discos Marcus Pereira, que iniciou a comercialização da coleção já gravada com sucesso de vendas e milhares de cópias prensadas.

Segundo pesquisa de José Eduardo Gonçalves Magossi, “Música Popular do Nordeste vendeu em dez meses aproximadamente 12 mil coleções, ou 48 mil discos, mais que a média de vendagem de Caetano Veloso, que era de 30 mil cópias”.


Marcus e Aluízio já haviam decidido estender a pesquisa às outras regiões do Brasil. Devido ao uso em comum da viola caipira, decidiram juntar, no novo lançamento da coleção, as regiões Centro-Oeste e Sudeste. Chamaram Theo de Barros, do Quarteto Novo, para dirigir o novo volume. Foram organizadas grandes equipes para realizar a pesquisa e coleta de material. Entre os pesquisadores, estavam Martinho da Vila e Fernando Brant. As gravações dos originais ficaram sob responsabilidade de Pelão.

Música Popular do Centro-Oeste/ Sudeste contou ainda com a consultoria de Oneyda Alvarenga, responsável pelo acervo de Mário de Andrade, reforçando a ligação do grupo com o modernista. Foram recolhidos, das fontes originais, modinhas, sambas, congadas, cantos religiosos, toadas e outras expressões regionais. A prática de regravar o material captado, tornando-o mais palatável ao público urbano, seguiu: os discos contaram com interpretações de Nara Leão, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e Renato Teixeira.

Nas contracapas, a seguinte homenagem: “Dedicamos esta coleção ao povo brasileiro e à memória de Mário de Andrade”.


Após o lançamento deste segundo volume, Aluízio deixou o projeto. Mas não sem antes haver passado por Porto Alegre e coletado, com auxílio de Érico Veríssimo e pesquisadores da área, livros e revistas sobre a cultura popular do Sul. A jornalista Carolina  Andrade, que havia atuado na coleção História da Música Popular Brasileira, assumiu a direção artística da gravadora e prosseguiu com as pesquisas já iniciadas.

Com o auxílio de folcloristas, como Paixão Côrtes, e músicos, como os do grupo Os Tapes, Carolina passou três meses gravando as canções originais. Entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, captou xotes, fandangos, vaneirões, músicas missioneiras, declamações, ditos, milongas, cantos religiosos e músicas indígenas. 

Ao contrário dos lançamentos anteriores, Música Popular do Sul preservou boa parte das gravações originais nos LPs. Para as poucas regravações que houveram, a coleção contou com interpretações de Elis Regina e arranjos de Rogério Duprat. Os Tapes também regravaram algumas canções.


O último lançamento da coleção, que foi apelidada por Sérgio Cabral de Mapa Musical Brasileiro (nome incorporado por Marcus Pereira), é de 1976: o disco Música Popular do Norte. Mais uma vez, Carolina Andrade viajou pelos estados do Amazonas, Pará e Maranhão – que fazia parte da região Norte na época. O caráter documental dos discos foi aprofundado, contando com ainda mais registros originais.

As gravações foram feitas ao vivo em eventos regionais, como festas de bumba meu boi em São Luís, o Festival de Folclore de Manaus e apresentações dos Pássaros, grupo de teatro de Belém. Nas regravações, com arranjos de Radamés Gnattali, composições do maestro Waldemar Henrique foram interpretadas por Jane Duboc. Nos quatro volumes dedicados à região Norte, estão presentes carimbós, marambirés, cantos de congadas, músicas indígenas, cirandas e outras manifestações típicas.


Registrando a história do cancioneiro brasileiro, a Discos Marcus Pereira fez sua própria história e se inscreveu definitivamente na história da cultura nacional. A coleção Mapa Musical do Brasil, que totaliza dezesseis LPs, sendo quatro para cada região, é ainda hoje um documento importantíssimo para a compreensão da diversidade do folclore e da música popular do país. Além da coleção, o selo realizou outros lançamentos extremamente relevantes, como o primeiro disco de Cartola, gravado quando o sambista tinha 66 anos, e uma coletânea dedicada às principais escolas de samba do Rio de Janeiro. 

Você pode encontrar os LPs da Discos Marcus Pereira e da coleção Mapa Musical do Brasil em marketplaces online como a Discogs, ou até mesmo em sebos aí da sua cidade. Vale a pena procurar por essas jóias e ter na sua coleção um verdadeiro acervo da música popular e folclórica nacional.

Tags:, , , , , ,

23/08/2022

Erick Bonder

Erick Bonder