A leveza de admitir ser guiada por uma força intuitiva em seus projetos fez com que Luedji Luna desse passos cada vez maiores, sem deixar de exibir a vulnerabilidade do amor de mulheres pretas. Em novembro passado, a cantora divulgou Bom Mesmo é Estar Debaixo D’Água Deluxe (2022), que contém 13 faixas, sendo dez inéditas e três remixes do disco de 2020. Neste álbum, ela desnuda o amor em anotações de seus cadernos antigos, flertando com o neo-soul, o R&B e o jazz, em sua abordagem própria, original e contemporânea.
“Trazer estas canções, neste momento, eu acho que tem muito a ver com a maturidade. Por experienciar o amor maduro, ter virado mãe, me sentir estável na carreira e segura em relação ao meu público… Uma série de fatores me encorajou a me desnudar e trazer estas canções, dos cadernos antigos, esses amores e essas contradições para o disco”, diz a baiana em entrevista à revista NOIZE.
O álbum, que antes de completar um mês bateu a marca de 1 milhão de streams no Spotify, a plataforma de streaming de música mais usada no mundo, é aberto com a canção “O que é o amor?”. Nela, a artista convida Linn da Quebrada, Mayra Andrade, Aza Ndjeri e Winnie Bueno a compartilharem, individualmente, suas visões específicas sobre o que consideram a cerca do amor, acompanhadas pelo pianista Gabriel Gaiardo.
Na sequência, Luna interpreta “Blue”, que traz a conclusão de histórias como um fator necessário para prosseguir para o futuro sem amarras com o passado. Em um primeiro momento, a visão dela sobre a temática do amor era de que não tinha certa importância: “Eu achava que o amor, na verdade, era um clichê. Eu achava bobo e raso, só que também é profundo, podendo ser super denso. Fiz esse mergulho para essa pesquisa e tentei trazer essa densidade para o tema, mergulhando em águas abissais, para não ficar ficando só no estereótipo do que é o amor, do amor romântico, desta coisa toda”, assume.
Sua vulnerabilidade e inexperiência no amor igualmente surgem na canção “Pele”, que tem um significado especial, já que Luedji a compôs aos 17 anos, ainda em Salvador (BA), após dar o seu primeiro beijo. A artista só mostrou “Pele” publicamente muito depois, no programa “Espelho”, de Lázaro Ramos, em que enunciou: “É uma canção que nasceu depois da minha primeira experiência afetiva, que, para os padrões da minha geração, aconteceu muito tardiamente. Então, depois do meu primeiro beijo, eu fiz minha primeira música”. A canção também traz a participação da cantora, compositora e produtora norte-americana Mereba.
Habituada a trazer um time de peso para seus discos, o álbum mais recente, dos três, apresenta um número maior de participações, que, por sua vez, dialogam com o mercado norte-americano. Enquanto o bem sucedido Um Corpo no Mundo (2017) foi um disco fundado na percussão, feito pelo produtor Sebastian Notini, percussionista sueco radicado no Brasil, esta versão Deluxe de Bom Mesmo é Estar Debaixo D´Água foi produzida pelo queniano Kato Change, expoente do jazz africano contemporâneo.
O desejo de expandir o contato com os Estados Unidos veio a partir das colaborações internacionais que nasceram da sua primeira viagem à Nova York (EUA). A repercussão de sua participação no Colors, cantando “Acalanto”, em 2019, num clipe que acumula quase 2,5 milhões de views, e sua apresentação no Tiny Desk, em 2021, são estímulos que a levaram a aprofundar seus laços com o país.
Desde então, o público internacional da cantora vem crescendo com os anos. Com um total de 71,1 milhões de streams, os números de Luedji em Portugal e Estados Unidos já representam 10% dos seus ouvintes mensais no Spotify. Somente nos EUA, são 36,8 mil ouvintes mensais.
“Estes números são frutos de conexões reais e naturais. O universo da música da diáspora negra norte-americana me influenciou, influenciou a música brasileira e tem influenciado ainda. Acredito que seja um investimento, na perspectiva de me aproximar deste público e internacionalizar minha carreira nesta direção, para além da Europa, porque eu fiz poucas turnês nos EUA e quero ampliar a minha ida, quero fazer mais coisas por lá.”
+ Entrevista | Os territórios de Zudizilla
Uma das conexões que a baiana se refere é de John Key, baterista e produtor de Solange Knowless, que surge na faixa “Pele”. O encontro se deu através das mídias sociais, quando Luedji recebeu, via DM no Instagram, a mensagem de Key. “Ele que me procurou, acredita? Me chamou pelo Instagram, falando que curtia o meu trabalho e que tinha alguns beats que queria me mandar. Depois, eu fui escutando, eram provavelmente uns sete beats, e vendo o que fazia sentido pra mim. Ele é muito solícito e estava disposto a fazer esse trabalho comigo”.
O disco também traz as produções internacionais de Odissee, consagrado rapper americano e produtor musical, no house da faixa “Sinais”, escrito por Zudizilla e Luedji, e na música “Tempos Artificiais”. A mixagem é de Russell Elevado, que tem trabalhos com Erykah Badu, Alicia Keys, Kamasi Washington, D’Angelo e Jay-Z, e masterização de Mike Bozzi, que reúne no portfólio projetos com Kendrick Lamar, Childish Gambino e Post Malone.
Sem parar por aí, recentemente Luna lançou a faixa “Tentação”, com o duo inglês The Quiet Ones, formado por Chris Franck e Marc Brown. Com cara de verão, a parceria entre os artistas foi idealizada e construída pelo selo Pequeno Imprevisto, que resultou numa colaboração criativa à distância.
Suas conexões no Brasil também movimentaram sua agenda neste começo de ano. Após uma participação, no show de Liniker, realizado no Palco Sunset, no último Rock In Rio, a cantora conheceu Ivete Sangalo, nos bastidores do evento, e nem sabia que futuramente iria dividir palco com a baiana. Um dos condutores deste feito foi Zé Ricardo, diretor artístico do Palco Sunset e Espaço Favela do Rock In Rio e curador do último Festival de Verão de Salvador, que convidou Ivete e Luedji para este encontro.
“Na hora, eu topei de pronto e aconteceu daquele jeito que todos viram, tudo muito lindo, com Ivete bem leve, simples, e a banda sempre solicita e ensaiada”, reitera Luedji, que cantou “Acalanto”, de seu primeiro álbum, e sua faixa mais conhecida, “Banho de Folhas”. A artista também fez participação em uma canção do repertório de Ivete, a faixa “Lambada”, do grupo Kaoma, versão em português da lambada “Llorando se Fue”.
Ainda colhendo frutos do seu disco de estreia, em janeiro a cantora viu “Banho de Folhas” ser incluída no repertório de Anitta e, logo em seguida, foi convidada para dividir o palco com a carioca. “Eu não esperava que isso fosse decorrer em um convite para cantar com ela. A Anitta foi super generosa comigo no palco, e segue sendo generosa, foi uma outra surpresa, porque eu não estava esperando nada”.
Grande parte do número de seus últimos feitos também se dá por sua movimentação pelas redes sociais. A baiana admite que tem uma equipe que realiza as produções que alimentam suas redes, porém não deixa de negar a relevância que isto traz para o atual momento da carreira: “Eu jogo o jogo na medida do possível, produzindo conteúdo e divulgando minhas coisas. Não tem como eu fugir disso, ou é isso ou o ostracismo. Eu sou uma artista em ascensão e não vou meter esse louco de dizer que não vou estar nas redes sociais ou que vou ser low profile. É uma escolha que eu respeito, mas para mim isso não existe, eu quero estar no jogo, quero estar em evidência e quero que minha música se destaque. Se essa é a dinâmica, então vamos jogar com ela agora, com limites, com respeito a si mesmo, com respeito a minha música e arte. Acho que tudo é equilíbrio.”
Assumindo para si que possa ter começado sua carreira musical tardiamente, Luedji Luna afirma que sua poesia foi fundamental para existir no mundo: “Eu venho de uma cidade que, na minha época, era monopolizada por um estilo musical, que só um grupo ganhava e capitalizava com a música, a arte e a cultura, e não eram pessoas negras, não eram mulheres negras, então eu não me via possível nesse lugar e fui procurar fazer outra coisa da vida. Mas o meu espírito se expressa pela música, pela minha voz, pelo o que eu faço. Escrever foi um jeito de existir no mundo, de romper com silêncios, então, em um determinado momento, aos 27 anos, eu tive que realmente ceder e dizer sim a música e depois disso tudo se abriu, se ampliou e aconteceu.”
“Eu sinto que sou uma pessoa guiada, principalmente porque eu desenvolvi essa escuta interior. Foi ela que me trouxe até aqui. Quando eu decidi fazer música lá atrás, em Salvador, foi uma epifania, foi uma escuta. Eu também sou guiada espiritualmente, eu acho que meu bonde não erra, meu bonde espiritual está comigo, em lugares que eu sequer pensei e projetei. Existe um campo invisível que opera e trabalha, que me empurra e que é bem respeitado e escutado”, acrescenta.
Com muito apetite de apresentar o novo disco, em encontros potencializados pela participação do público, a cantora já anunciou um espetáculo único, na Audio, em São Paulo, para o dia 31 de março, e confirmou sua apresentação no Kriol Jazz Festival, que acontece no país africano de Cabo Verde, no dia 14 de abril. “Eu só quero rodar com esse show pelo país inteiro e fazer todos os festivais dentro e fora do Brasil”, finaliza.
LEIA MAIS ENTREVISTAS