“A gente pode sim, a gente vai se representar sim”, afirma a revelação Liniker

15/03/2016

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Guilherme Darros

Por: Guilherme Darros

Fotos: Ariel Fagundes

15/03/2016

Muito mais do que um artista de apenas 20 anos de idade que estourou no Youtube, Liniker é também um corpo político. Um corpo masculino, que se apresenta em uma poderosa voz negra, vestindo roupas “ditas” – como ele mesmo prefere acentuar – femininas. Um corpo que, no palco, alinhado à sua voz, não só canta como também discursa.

Com somente um EP de três músicas, intitulado Cru (2015), o corpo e a voz de Liniker vem chamando atenção por onde passa, e na sua primeira passagem por Porto Alegre não foi diferente. Com o bar Opinião praticamente lotado, Liniker se apresentou para uma plateia sedenta por conhecê-lo ao vivo e a cores, e não decepcionou na primeira edição do evento Noites MorroStock que ainda contou com shows das bandas Mari Martinez & The Soulmates e Bandinha Di Da Dó.

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Pouco antes da apresentação, Liniker recebeu a NOIZE para um bate-papo sobre sua curta, porém meteórica, carreira que deve colocá-lo de vez como uma das grandes revelações da música brasileira no segundo semestre, quando seu primeiro álbum de estúdio será lançado. Enquanto isso, esbanjando simpatia, tanto nos bastidores quanto no palco, Liniker segue falando daquilo que muitos artistas preferem não falar e por onde passa, é possível notar a representatividade que sua imagem adquiriu nestes poucos meses de sucesso, e como seu discurso de empoderamento é tão importante nos dias atuais.

Leia abaixo a entrevista que com essx artista incrível que sem dúvidas, a música brasileira ainda irá ouvir falar muito.

Como foi pra você estourar de maneira tão rápida? Você tem 20 anos, lançou só um EP em outubro, com três músicas, e o clipe de “Zero” já tem mais de 1 milhão de visualizações no YouTube e você está fazendo shows por todo o Brasil.
Tá sendo. Acho que é um processo de entender como tudo vem acontecendo de repente. De repente no sentido de visibilidade que estamos tendo agora, mas é um trampo já vem de um tempo, venho instrumentalizando isso desde os meus 16 anos, quando eu comecei a escrever. Acho que tudo que acontece hoje é reflexo desse trabalho, que já vinha antes. E o público tem aceitado de um jeito muito bonito e muito intenso tudo, a gente recebe altas mensagens das pessoas falando o quão representadas elas se sentem, o quão felizes estão com as músicas. E a gente também, um artista com 20 anos tem muita coisa pra ralar ainda, e já ter atingido tanta gente num parâmetro de tempo tão curto… Faz só cinco meses que lançamos e estamos com a banda faz um ano e meio. É muito doido como tudo tem se dado e acontecido tão bem, a gente tá numa correria louca, não paramos mais em casa.


E a internet foi uma ferramenta fundamental pra esse alcance todo em tão pouco tempo né?!
Foi muito, muito, a internet foi um grande boom assim, a gente colocou o trabalho no Facebook, em uma semana no Facebook a música “Zero” tinha um milhão de visualizações, o segundo país que mais ouvia a gente era a Polônia! Muito doido como tudo vai chegando de uma forma devastadora, um tsnumani de coisas. A gente lançou e, no dia que eu acordei, não tinha outra coisa no Facebook e eu fiquei: “Gente que doideira, que coisa maluca”. Mas tá todo mundo muito feliz com tudo.

E o EP, como foi o processo de gravação?
Independente, colaborativo e ao vivo. A gente gravou na sala do nosso guitarrista, o Zarra, e escolhemos ao vivo para que fosse mais orgânico mesmo, mais próximo do público, pra que o público não sentisse que é aquela coisa toda produzida. Eu acho ótimo grandes produções, mas às vezes acho que se distancia um pouco, ainda mais com esse trabalho que a gente queria falar tão de perto, trazer as pessoas pra tão próximo. Ter gravado na sala dele de forma natural, orgânica, acredito que foi uma das coisas que fez o público se sentir parte de tudo, que fez com que as pessoas quisessem ficar perto da gente e do som. Eu quero ser esse artista que conversa normalmente, que para na rua pra conversar sobre qualquer coisa.

E tua principal influência é realmente a música negra brasileira?
É basicamente música preta brasileira, tudo que eu ouvia em casa, com uma porção de coisas que fui descobrindo depois que fui crescendo e ampliando meu leque de referencias, mas de samba à samba-rock, black music, funk music, guitarrada paraense, pop, tudo, eu sou uma pessoa que gosto de tudo.

No EP “Cru” são somente três músicas, como está a produção do primeiro álbum de estúdio?
A gente lança no segundo semestre, já vamos entrar em estúdio para produzir, e é um álbum que vem na mesma vertente, falando de amor, porque na verdade minhas músicas são cartas que escrevi e não tive coragem de entregar. Até o nome do disco é Remonta, eu estava num processo de vomitar o que eu sentia, uma coisa meio de autodestruição, eu escrevia para depois libertar, então por isso remontar, remontar sentimentos, remontar coisas minhas. Remontar. Estamos super esperançosos, no show já apresentamos o álbum antes de lançar e o público tem gostado bastante gente.

Além da sua voz e da sua música, o que vem chamando bastante atenção é o seu próprio corpo, suas roupas e sua maneira de se expressar e de ser. Como você vê essa repercussão em um momento em que a sociedade está cada vez debatendo mais questões de gênero e de identidade?
Isso de me vestir assim foi algo que eu não quis descaracterizar de mim, eu me visto assim. Acho que deu uma impactada e criou uma reflexão nas pessoas porque uma artista negra, bicha preta, tocando com roupas ditas femininas em um corpo biologicamente masculino, de turbante, se empoderando, causa um estranhamento curioso. Estranhamento no sentido que as pessoas não entendem muito, mas querem saber. Porque eu percebo que as pessoas não tinham referência disso, e eu também não tinha, foi algo que eu percebi na minha mãe, nas minhas tias, frequentando o movimento negro em Araraquara. Acho que trazer isso pra cena, pro palco, pra vida, e as pessoas se sentirem representadas é muito importante. Tem toda uma cena musical que tá questionando, colocando isso, tá vomitando o que pensa e acho que isso é muito importante pro nosso país, que é tão opressor e tenta calar a boca da gente.

Você já disse em outras entrevistas, que é “negro, pobre e gay” e isso impacta e incomoda muitas pessoas no Brasil. Como é isso na tua visão?
Acho que socialmente as pessoas já rotulam a bicha, o preto e o pobre como fracassados, como se não fosse dar nada na vida, então, a partir do momento em que me coloco como artista preta assim, bicha, pobre, de família pobre, de origem pobre, uma bicha periférica no palco, e que estou ganhando visibilidade, mostrando meu trabalho pro mundo, acho muito importante pra toda minha gente, pra todo meu povo. A gente pode sim, a gente vai se representar sim, porque representatividade importa muito, porque a gente precisa ocupar os espaços que também são nossos, a mídia dar visibilidade pra gente, que estamos aí produzindo muita coisa boa.

Você se criou e ainda mora em Araraquara, cidade do interior de São Paulo e fala bastante sobre a importância da sua mãe na sua vida, principalmente nas opressões sofridas, em que ela intervinha.
Eu tenho uma mãe que me apoiou sempre desde pequeno, tinha uns amigos dela que tentavam me reprimir, meus tios tentavam me reprimir, mas minha mãe sempre foi aquela mulher que disse “não, você não tem direito de falar sobre ele, a mãe dele sou eu e se ele tá feliz o meu filho vai estar bem”, então minha mãe sempre me deu um espaço de liberdade muito forte, mas sempre rolou olho torto, xingamento na rua, gente que falava pra reprimir, pra engrossar a voz, tive tio meu que um dos castigos quando eu aprontava era me colocar pra assistir jogo de futebol, porque ele sabia que eu não gostava. Era pra me reprimir, pra colocar em mim que eu era homem e precisava assistir futebol. Mas com o tempo a gente vai ficando tão cansada de tanta coisa, de tanta repressão, de tanta gente oprimindo que a gente se empodera três vezes mais, pra ninguém mais chegar com esse tipo de argumento pra diminuir a gente.

E a sua música não deixa de ser uma forma de empoderamento também né?!
Sim, e é um ato político também, me colocar ali, vestido como eu sou e tanta gente a partir disso se colocar também. Muitas pessoas vão vestidas parecidas com o clipe pro show, com turbante, saia, virou fantasia de carnaval, é muito doido.

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15/03/2016

Guilherme Darros

Guilherme Darros