Bits, beats, batidas, internet discada, cantigas de roda, praças desertas, subúrbios, praias cinzas, mar frio, relações afetivas em cliques.
A SUPERVÃO digere o caos cibernético que inunda a realidade (se é que existe uma “realidade”) e, então, vomita um som que mira a música pop, mas carrega um quê sombrio bem fácil de sentir e difícil de descrever. Formada por Mario Arruda (vocal e programação), José Fonseca (guitarra e programação) e Leonardo Serafini (guitarra), a banda lançou no fim de março o seu single de estreia, homônimo, que também foi o primeiro lançamento de 2015 do selo Lezma Records.
Lançamos hoje com exclusividade o primeiro clipe deles, da faixa “Cadilac Olodum”. Produzido pelo próprio Lezma Records, o vídeo foi registrado Porto Alegre, São Leopoldo, Campeche e Torres. Muitas imagens também foram captadas a partir da gravação direta de telas e monitores para fundir os limites entre a Máquina e o Humano, o meio orgânico e o virtual. O seu lançamento oficial acontece só amanhã na festa VDD, em Porto Alegre, mas você já pode assisti-lo abaixo.
Agora, pra sacar mesmo, recomendamos a entrevista que fizemos com a SUPERVÃO. “O grupo converge referências globais como Vaporwave (psicodelia contemporânea oriunda da art media), Pós Punk e Health Goth, e adentramentos regionais brasileiros como música de ciranda, fuga ao subúrbio e Tropicalismo. Com isso buscam cunhar o termo Neu Tropicália“. É isso que diz o release de lançamento do seu EP e nós conversamos com a banda sobre a união cósmica de mídias e as referências do grupo.
Como vocês sentem a vivência em São Leopoldo e como a cidade influenciou o som da banda?
Mario: O silêncio. É nas partes em que o silêncio é a composição que São Leopoldo mais está presente. Aqui o grande barulho é no interior humano.
José: Crescemos em São Leopoldo, mas as musicas do single foram compostas em Porto Alegre. São Léo influenciou mais na hora de gravar e produzir os sons, tudo foi feito aqui. A vibe da cidade é bem selvagem e tem vários matagais que são mantidos pela igreja luterana/católica/especulação imobiliária com um ótimo ar e possibilidade de curtir uma brisa no por do sol nas partes mais altas. Sentir esse clima fez eu me sentir mais conectado com as composições que fizemos além de acreditar que a vida fora da capital pode ser até mais sustentável (custo de vida e tempo perdido nos caminhos cotidianos), com possibilidade de rodar de bike a cidade toda e conhecer os caminhos além de ser a cidade das nossas famílias
Sinto que a banda se esforça para buscar uma estética essencialmente contemporânea. É isso mesmo? No que vocês se baseiam para essa busca?
Mario: A vibe é buscar abrir o devir. Fazer enxergar possibilidades do que se pode fazer, de caminhos que a tecnologia pode tomar mas ainda não tornou visível. Mexer nos enunciados. Se é contemporâneo é porque olha pra frente.
José: Leio a Veja, Carta Capital e vejo “Vale a pena ver de novo”.
Ainda que flerte com o pop, há toda uma obscuridade, uma densidade na SUPERVÃO. De onde vem isso?
Mario: O flerte com o pop é só a vontade de buscar algum sentido. É o [que há] entre o obscuro e as situações claras. Uma busca por dizer algo que parece proibido ou mal visto de forma clara e límpida.
José: A obscuridade eu interpreto como sendo toda incerteza que circunda a informação. As informações que me interessam parecem sempre estar vagando na obscuridade, na neblina, é bem difícil achar e, do mesmo jeito que representamos a informação, também representamos a obscuridade.
“Cadilac Olodum” aborda o universo das relações afetivas de hoje. Como vocês se sentem nesse mundo onde as relações são mediadas pelas máquinas e a dimensão virtual?
Mario: “Cadilac Olodum” é uma fala pra si mesmo. Proposta de amor próprio num momento em que o amor é totalmente vinculado ao Like alheio. Aqui propomos um amor autônomo em relação ao contexto. Aquilo que se sente independente daquilo que os outros pensam de você. É o ir e vir livre, a partir daquilo que você mesmo enxerga quando olha pra dentro de si. Mesmo quando a sua imagem é o outro, que isso fique claro pra você, sabe? Nesses tempos de polarizações, as identidades vem se tornando mais enquadradas do que livres. Os seus fazeres, sua visão política, seu gosto musical, todos esses são os motivos do seu enquadramento. E o que tem de abertura a possibilidades nisso? Quando você se fecha numa imagem totalmente vista como de esquerda, você não dialoga. Quando todas as suas práticas são mercantilizadas também não. O amor próprio hoje é um tabu, e com isso todas as atitudes são normalizadas pelo que você se vincula. O amor próprio nesse sentido é a estetização da própria vida, pra que se consiga agir um pouco fora das estruturas, não se vinculando necessariamente às polaridades estabelecidas. Encontrar o entre de coisas como privado/público, eu/outro, virtual/real…
As máquinas e a dimensão virtual são a própria vida. É o processo que passamos após a criação das imagens técnicas (começou na fotografia) e que naturaliza a cultura e artificializa a natureza. A teoria do pós-humanismo é muito discutida hoje, mas o ser humano se constitui como ser a partir das tecnologias que produziu desde a pedra lascada. Essa é a característica que faz a espécie Homo Sapiens Sapiens. A treta hoje é que já não sabemos o que sabemos. Tão dentro estamos dos equipamentos produtores de saber imaginário (a câmera, o computador, o gravador de áudio) que acreditamos que seus resultados – as imagens, as produções digitais, a música – são representações espontâneas das intenções do ser humano. Esquecemos que a própria tecnologia tem seus programas estabelecidos.
Nesse sentido, até mesmo as relações afetivas são programadas. Inclusive já chegamos ao ponto em que as emergentes já se vêem com condutas codificadas: a própria festa de rua, ela parece que já é aceita pelo poder. Isso parece meio louco, mas é ótimo, é uma conquista pra cultura, passou do estágio puramente revolucionário. A minha pergunta é: qual o próximo passo? Qual é a atitude que pode democratizar a cultura agora? Vejo os eventos em formato de feira como o Me Gusta, o Mercado Vintage (que é brechó e traz artes e música pra dentro) indo muito bem, conseguindo juntar diversos artistas num momento em que divulga os trampos numa rede muito grande, saindo do meio estabelecido, juntando multiplicidades.
É a evidenciação dos trabalhos autorais que vejo potente nesse momento. O músico, o artista, o DJ, o designer que conseguem estabelecer relações antropofágicas.
José: Acho que tantos as máquinas como a dimensão virtual são expansões da consciência, é um ótimo objeto de estudo próprio. Tentar se descrever, identificar, participar de um nicho, virtualmente posso participar de uma onda que pode ocorrer na China. Sendo projetado virtualmente, como as projeções de holograma na Espanha… mas isso tudo é muito novo e ainda está sendo mapeado. Acho que vivemos em um tempo único e é muito interessante fazer parte desse tipo de revolução, mas as consequências disto ainda não são previsíveis a curto prazo. Porém o que eu José acho é que toda essa imersão digital acaba tornando o indivíduo mais egocêntrico primeiro porque, pra se projetar dentro da rede social, tu tem que fazer um estudo sobre si mesmo. Segundo, a rede social filtra conteúdo direcionando os interesses só para o que você quer ver/ouvir e tem o ego alimentado por curtidas. Mas a web como um todo é a coisa mais psicodélica que existe.
Vocês cunharam o termo Neu Tropicalia, e é preciso coragem para isso. Do que se trata? É um movimento, uma estética? Que outras bandas vocês incluiriam nesse gênero? Alías, é um gênero?
Mario: A gente não cunhou nada, só demos mais um nome virtual pra fazer ver algo que já existe por tudo aí. Smoke City, a Musa Híbrida, a Cibelle. Eu queria ser mulher pra cantar como elas. Neu é alemão, a música eletrônica de lá é muito foda. Curto o Neu, a banda. Outra que tá no movimento é o Brasilwave, pegando “Bateu uma Onda Forte” e embalando no Vapor. A Apanhador Só em líquido preto. O Otto! Uma muita massa é a Glue Trip. O Boogarins, banda viciante essa né, tá junto com certeza, mas pegam pelo viés da psicodelia. Os amigos e tamo tudo junto: Chimi Churris, cruzamento entre psicodelia e ritmos brasileiros e amor, e Siléste, poesia concreta em português em parede de guitarras noise.
Mas tem uma ironia nisso tudo. É a internet, o lance do possível, o vir a ser aquilo que não é. Tudo é, nada é.
Esse gênero imaginário aí está como é provável que se transforme em outra coisa. No próximo EP do SUPERVÃO, ali pro meio do ano, estaremos já em outro movimento. O lance é que é um movimento em movimento que agora chamamos assim, mas que tem bem mais a ver com esse movimento virtual de possibilidades
José: Neu era pra ser uma tirada com os trocadilhos de dois et al. Mas acho que como São Leopoldo é o berço da imigração alemã e a gente curte muito bandas como o Can, Kraftwerk e o próprio Neu, essa acaba se tornando a referencia maior, que tem a ver com o método e com a piração.
O que vocês acham que Caetano Veloso acharia da Neu Tropicalia?
Mario: O Caetano é o mais Neu Tropicália de todos. No caso dele, o lance seria Tropicália Tropicália ou Neu Neu. Ele foi um dos primeiros brasileiros a perceber isso que ocorre hoje na internet e fora dela. Só que ele fez isso lá nos anos 70. Maior ídolo.
José: Linda/foda
Leonardo: Alguém sabe como mandar pra ele?
Festa VDD – Lançamento oficial do clipe de “Cadilac Olodum” + show da Catavento
Quando? 17 de abril
Que horas? 23h
Onde? Papillon (Av. Venâncio Aires, 912. Porto Alegre/RS)
Quanto? A partir de R$10