Em apresentação no Gigantinho, banda mostrou o mesmo vigor de 13 anos atrás
_Por Daniel Sanes
Quando a organização do show do Kiss em Porto Alegre anunciou que a apresentação da banda, antes prevista para o estádio do Zequinha, seria transferida para o Gigantinho por “questões de logística”, a primeira coisa que muitos pensaram foi: a venda de ingressos está fraca. Bom, ao menos eu pensei. Que espécie de logística faria com que um espetáculo deixasse de ocorrer em um local com condições para abrigar cerca de 30 mil pessoas para ser realizado em outro com metade dessa capacidade?
Seja qual for o motivo – o preço salgado dos ingressos ou o fato de o Kiss não estar tão em moda como em 1999, quando se apresentou pela primeira vez na capital gaúcha –, o espaço reduzido não prejudicou em nada a performance do quarteto. Ok, quem conferiu o show de 13 anos atrás sentiu falta de alguns detalhes, como Gene Simmons “voando”, Paul Stanley passeando pela pista em uma tirolesa e os efeitos 3D, tão alardeados na época. Mesmo assim, a banda mostrou que ainda consegue proporcionar um grande espetáculo.
Escolhido para o show de abertura, o Rosa Tattooada subiu ao palco uma hora e meia antes do previsto, perto das 21h. Ou seja, na hora prevista para o Kiss. O trio gaúcho fez um set curto e logo os alto-falantes anunciavam mais um atraso por conta da tal “logística”. E era isso mesmo, já que parte da parafernália que compõe o palco da banda americana ficara presa na alfândega e acabou sendo montada em cima da hora. Mas a espera, como se pôde notar depois, valeria a pena.
O show
23h30min. Abrem-se as cortinas, os mascarados surgem em cima de uma grande plataforma. Fogos de artifício e labaredas de verdade (o calorão na pista atestava), efeitos usados à exaustão hoje em dia, sempre têm presença garantida nos shows do Kiss. Assim como “Detroit Rock City”, um arrasa-quarteirão do clássico disco Destroyer que não pode ficar de fora do setlist.
Como de costume, o repertório dos anos 70 é recebido com euforia, e “Shout It Out Loud” (com o microfone de Simmons falhando) e “Calling Dr. Love” mantêm o público aceso. Só então Stanley resolve apresentar material novo: “Hell or Hallelujah” e “Wall of Sound”, duas boas músicas do recente Monster, mas que ainda não foram assimiladas pela maioria dos fãs.
Depois de “Hotter than Hell” (uma da formação clássica que não esteve presente no show de 1999), o momento que muitos estavam esperando. Stanley dedica “I Love It Loud” ao Kiss Army, famoso fã-clube da banda, e a tradicional batida foi acompanhada dos esperados “Hey hey hey, yeah!Hey hey hey, yeah!”
A execução dessa música merece um parêntese. A reunião da formação clássica, com Ace Frehley e Peter Criss, foi muito comemorada na segunda metade dos anos 90. Porém, o guitarrista e baterista originais não tocavam músicas das formações posteriores, limando do repertório alguns hits dos anos 80, como “I Love It Loud” e “Lick It Up” Por isso, ouvir ao vivo o som da bateria originalmente gravada pelo já falecido Eric Carr levou muitos fãs ao êxtase.
Falando nisso, a formação atual, com Tommy Thayer na guitarra solo e Eric Singer na bateria, sem dúvida alguma é superior à original no aspecto técnico. Tommy mostra dotes vocais razoáveis na nova “Outta This World”, e seu solo é bem mais melódico que a “fritada” que Ace deu em sua passagem por Porto Alegre. Eric Singer, por sua vez, já havia demonstrado competência em sua primeira passagem pela banda, entre 1991 e 1996.
Após os coadjuvantes solarem, é a vez do manda-chuva. Simmons surge no palco fazendo caretas assustadoras, e sua imagem distorcida no telão torna o clima ainda mais soturno. A multidão, já sabendo o que a aguarda, vai ao delírio quando o baixista cospe sangue (fogo ele já havia cuspido em “Hotterthan Hell”) e emenda “God of Thunder”.
São raras as músicas pós-anos 70 que permanecem no setlist do Kiss. Mas não é de se estranhar que “Psycho Circus”, do álbum homônimo de 1998 e que trouxe o grupo a Porto Alegre no ano seguinte, seja uma delas. Pela animação na pista, algum desavisado na plateia poderia até pensar que se tratava de um hit dos primeiros anos da banda.
“War Machine” (outra pérola ressuscitada) serve como aquecimento de luxo para o final da primeira parte, que ainda tem “Love Gun” e “Black Diamond”. Esta última, cantada praticamente toda por Eric Singer, Stanley introduz com os acordes de “Stairway to Heaven”, do Led Zeppelin, provocando expectativas de um improvável cover.
No bis, a já mencionada “Lick It Up” e a disco-rock “I Was Made for Lovin’ You” dão o tom de final de festa. Mas todos sabem que show do Kiss sem “Rock and Roll All Nite” não existe, e ela vem com direito a chuva de papel picado, coros ensandecidos e Stanley quebrando a guitarra. Fim de show. Memorável como o de 1999, mesmo que em um ambiente mais acanhado.
Uma banda que não envelhece
O que mais impressiona no Kiss não é a pirotecnia. Nem as maquiagens, nem os inúmeros produtos associados. Que Gene Simmons é um homem de negócios, todo mundo sabe. Talvez a imagem da banda seja mais conhecida que sua música, ao menos para o público leigo.
Impressionante mesmo é como um grupo formado em 1973 ainda atraia tantas pessoas a seus shows, mesmo que em menor proporção que em outros tempos. E não são apenas vovôs saudosos do “tempo em que o rock era bom”. Muitas crianças, acompanhadas de seus pais, ostentavam pinturas semelhantes aos seus heróis – há quem diga que o Kiss é uma banda de história em quadrinhos, e creio que esta seja uma ótima descrição.
Quando os assisti naquele show no Jockey Club do Rio Grande do Sul, com a formação original, parecia que se tratava de uma turnê de despedida. Que nada. Treze anos se passaram, e Simmons e Stanley continuam sem dar mostras de que pretendam se aposentar. Os (muitos) fãs agradecem.