Foto: Ariel Fagundes
Ator amigo das esquinas, músico que vendeu pessoalmente na calçada seu único disco gravado, espírito doce e indomável. Esse é Zé da Terreira, dono da face que estampa a capa de Antes que tu conte outra (2013) e foco dessa entrevista que começou como uma conversa rápida e terminou em devaneio filosófico.
A expressão que você mostra na capa do disco é algo seu, é a interpretação de um personagem, ou ambos?
A foto é resultado de uma série de movimentos. Não é um personagem dando um grito, aquilo é resultado de uma performance alucinada. É um homem pirando em torno de si, uma pessoa louca se deslocando com um monte de imagens na cabeça. É um velho, um mendigo, cada um vai fazer sua leitura. Mas a foto é de um ser humano que não sabe quem é nem pra onde vai. É alguém discutindo sua identidade e trazendo pro corpo a inquietação que tem na mente.
O que você achou da música de Antes que tu conte outra?
Achei interessante o disco, eles são habilidosos, mas não é um som que me deslumbrou como outros me deslumbram. Sei que existe música contemporânea, mas fui criado com a melodia e o ritmo da música convencional. Na real, sou um caretão!
Até que ponto a arte pode ter um cunho político sem se tornar pura panfletagem?
Arte tem que ter prazer estético. Se for somente política, fica chata. Quando você dá discurso, mesmo que tenha razão, é chato. Existe uma química aí, arte unicamente panfletária é complicada. Mas o limite é subjetivo, quem estabelece é quem está ouvindo.
Os artistas de hoje conseguem expressar os conflitos dos tempos atuais?
O ser humano tem uma necessidade visceral de se expressar. Há a arte das pessoas que leem e fazem um discurso mais rebuscado a respeito de suas ansiedades e tem o hip hop, o rock, que surgem de um desespero existencial. Na grande mídia, de um modo geral, não se vê músicas apontando as mazelas sociais. A não ser que alguém como a Madonna esteja fazendo isso e eu não sei porque nunca ouvi!
Você gostaria de gravar um álbum posterior ao Quem tem boca é pra cantar (2002)?
Não sou, nem conseguiria ser, um artista de massa porque meu discurso não é massificante. Sou uma pessoa cheia de medos, indecisa, minha arte não é afirmativa. Então, não tenho necessidade de gravar outro disco até porque, seu eu gravasse, ia ter que vender! Eu quero é ser feliz.
Entrevista publicada originalmente na Revista Noize #65
Para saber mais sobre o Zé da Terreira, vale a pena assistir à entrevista registrada por Alexandre Vieira para o documentário Quem Tem Boca é Pra Cantar, produzido e dirigido pelos antropólogos Janaina Lobo e Ulisses Duarte:
BONUS TRACK: Rafael Rocha, diretor da Noize Comunicação e responsável pelo projeto gráfico de Antes que tu conte outra, conta como foi o ensaio fotográfico com Zé da Terreira
Foi muito afude, uma das coisas mais legais que já fiz em fotografia. Disparado. A ideia toda da capa com a foto de um personagem velho era minha. Almoçando com a Roberta Sant’anna, que também é fotógrafa, eu pedi uma ajuda: “Meu, quem poderia ser?”. E ela falou: “Tu já viu o Zé da Terreira?”. Eu não conhecia o trabalho dele, fui atrás e achei incrível, achei que tinha tudo a ver, e fui convencer a banda. No início, eles tavam um pouco: “Puts, ele também é um artista, será que vale?”. Mas daí eu consegui convencer, até porque eles já tavam ligados no trabalho dele, que já tinha tudo a ver com o discurso do disco. Aí eu conversei com o Zé, almocei com ele duas vezes no Mercado Público [de Porto Alegre]. Ele é super preocupado com o trabalho dele e queria saber mais sobre a banda, queria saber como ia ser o esquema, onde ia sair, como é que foi o processo de composição do disco, ele queria saber de tudo! Porque ele é super preocupado com a obra dele, e nisso ele já me contou a história da vida dele duas vezes – e foi muito afude ouvir aquilo.
Foi do caralho porque, além de ter fotografado o cara e ter participado dessa experiência em estúdio, eu descobri que o cara é um puta coração. É um amigo, uma pessoa muito legal. E a experiência dentro do estúdio foi muito foda. Foram 4 horas dentro do estúdio, só eu e ele em uma sala gigante, toda branca, fotografando uma tarde inteira. Porra, ele tem uns setenta e tantos anos e ficou sem camisa, super disposto apesar da idade. Eu meio que forcei a barra porque foram 4 horas fotografando ele atuando, pirando… Eu pedia pra ele começar a rir e rir até chorar. Sério, muitas vezes isso. Eu falava pra ele gritar, a gente gritava junto, ele falava em línguas que não existiam. Foi massa.
E tem umas fotos do caralho, tanto é que a ideia do disco é que cada prensagem saia com uma capa diferente. Tem no mínimo umas trinta fotos de capa. Foi bem difícil chegar na primeira e agora vai ir pra gráfica a terceira. A primeira é a da prensagem do CD, a segunda a do vinil, e a terceira do CD que vai sair agora será com outra foto.