Depois de uma passagem por Júpiter (2015) e de alguns anos dedicados à obra de Marisa Monte, Silva lança o disco Brasileiro para mostrar que nada será mais como era antes. Escrevendo novas regras, o álbum, lançado em 25 de maio, deixa um pouco para trás a melancolia e as batidas eletrônicas dos discos anteriores. Debruçado ora sobre o violão, ora sobre o piano, Silva resgata suas maiores referências da música brasileira, como João Donato, João Gilberto, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Marisa Monte, passa pela obra de Darcy Ribeiro e pede por dias mais positivos.
Para quem também não está sabendo enfrentar a explosão política e social que o Brasil tem passado, colocar Brasileiro pra tocar, enquanto lê a nossa conversa exclusiva com Silva, pode ajudar a trazer um pouquinho de doçura e leveza.
Logo na abertura do disco, você pergunta “Como que a gente vai ser brasileiro?”. De alguma forma, o disco é uma resposta ou uma busca de resposta para essa pergunta?
Eu acho que não tenho essa resposta, eu tenho impressões de coisas que eu acho que funcionariam. Acho o Brasil um país muito incrível e acho a gente muito incrível enquanto povo, sabe? Eu sou um cara nascido em bairro de periferia aqui de Vitória [Espírito Santo] então, perto da minha casa, tinha escola de samba, tinha baile funk pra caramba, igreja evangélica, tudo que você imaginasse. E isso me inspira muito, essa mistura de coisas que conseguem existir no mesmo lugar.
Na época do lançamento de Júpiter você escreveu um texto no Facebook dizendo que aquele disco era “Uma proposta e alternativa contra esses dias tão estranhos de hoje, em que ainda precisamos conviver com tanta mesmice representada por preconceito, intolerância e todo tipo de violência”. Três anos depois, sobre o que você fala em Brasileiro?
Brasileiro explica um pouco da visão que eu tenho agora de mim como músico. Minha proposta também foi fazer uma coisa leve, porque eu tô num momento assim. Apesar do Brasil estar nessa explosão, nessa loucura, eu tô numa fase minha, pessoalmente, muito feliz. Esse ano faço 30 anos e quando comecei a lançar as minhas primeiras coisas eu tinha 22. De lá para cá, eu mudei muito, sou outra pessoa. Então, a música não poderia ficar parada no mesmo lugar. Acho que o Brasileiro é eu tentando dizer para mim mesmo que, apesar dessa bagunça toda, a gente pode olhar para isso tudo com um pouco mais de leveza, sabe?
E dos seus 22 anos para cá, o que mudou?
Eu fui ficando mais brasileiro com o passar do tempo, sabe? Comecei na internet e o primeiro show que eu fiz na vida foi no Sónar, em 2012. E era tudo muito cool. Lembro que a crítica adorou quando saiu o disco [Claridão (2012)] e ficou falando que era a nova mpb. Em 2014, eu fui para um evento da Red Bull, em Tóquio, e foi lindo, maravilhoso. Tive palestras, por exemplo, com o cara que fazia arranjos de cordas com o Michael Jackson, umas coisas incríveis que eu nunca tinha tido acesso. Mas, depois, vi que [lá] as pessoas se preocupavam muito mais com a roupa que elas estavam vestindo do que com o som, com ser músico, fazer uma coisa nova, tocar bem, cantar bonito. E daí comecei a ficar decepcionado com essa coisa, do tipo música que vai mudando de moda a cada seis meses. Vi que isso é muito efêmero. Voltei e fui mudando a partir de lá. Eu tive esse contato com a Marisa Monte, toquei com a Gal e isso tudo foi me colocando em contato de volta com as coisas brasileiras que eu mais amo.
E fazer esse disco ajudou você, de alguma forma, a ver as coisas com mais leveza?
Ele veio meio que desse exercício de passar por isso. Eu tava trabalhando em turnê, viajando muito e acompanhando as notícias ao mesmo tempo. Daí eu comecei a falar: ‘não, peraí, daqui a pouco eu tô em depressão aqui’. E isso não é um descaso com o que está acontecendo, pelo contrário, eu quero contribuir para que pessoas que estejam se sentindo assim também consigam, pelo menos, olhar para elas mesmas e pensar que tá tranquilo, que vai dar certo. Pensar um pouco mais positivo… É um exercício, senão a gente pira e vira uma coisa insustentável.
Além de explorar outros gêneros e ter um tom mais otimista, esse disco também tem uma nova estética, a começar pelo single “A cor é rosa”. Qual a simbologia do rosa? Por que rosa é a cor?
Essa música é muito especial para mim. Eu tinha já essa batida, sem a letra e ficava ouvindo ela em casa. Mostrei pro meu irmão e disse: ‘irmão, faz uma letra para essa música, mas não faço ideia do que quero dizer com ela, fico com medo de dizer alguma coisa que vai acabar com essa vibe que tô sentindo’. Ele fez essa letra no avião, num trecho tipo Rio-São Paulo. A gente tava viajando sobre essa coisa da lenda dos orixás, nesta lenda de Iansã e Iemanjá, que Iansã faz o céu ficar rosa. E a gente brincou com essa coisa do rosa. Eu sou de Vitória e a bandeira do Espírito Santo (ES) é azul, branco e rosa. Aqui, nesse período que a gente está agora, mais pro inverno, o céu fica muito rosa ao entardecer. Daí eu quis brincar com isso, do lugar de onde venho, quis falar daqui.
E a parceira com a Anitta em “Fica Tudo Bem” é uma forma levar o lugar de onde você vem para mais pessoas? Como surgiu essa parceria?
Eu fiz uma listinha de pessoas que eu gostaria que participassem do disco e a Anitta era a primeira. Só que, pra mim, a Anitta era inacessível, pela quantidade de trabalho que ela tem e porque tem milhões de pessoas querendo fazer coisas com ela. Aí mandei a música para ela e ela amou. Fico feliz de ter ela no disco, porque quebra essa coisa de que a MPB é uma música chique. Acho que isso leva para um outro público. E tô recebendo muitas mensagens dizendo “Pô, eu nunca tinha ouvido falar de você. Onde é que você tá?”. Eu tô adorando isso, tá sendo uma forma levar meu trabalho para pessoas que ainda não conheciam.
Além de novas pessoas conhecendo o seu trabalho, que outras respostas Brasileiro está trazendo para você?
Esse foi o disco que mais me trouxe mensagens, pessoas dizendo que esse disco trouxe uma paz, uma calma, uma vontade de viajar, de estar perto do mar. E isso é o mais maravilhoso. Às vezes você passou por uma coisa e escreveu sobre aquilo, mas para a pessoa que está ouvindo isso significa uma outra coisa. Eu vou fazer show agora, vou viajar o Brasil e ver como as pessoas reagem à música, que é uma parte muito legal. Quando você toca ao vivo, você vê o que cada música causa nas pessoas. Eu tô bem ansioso para ver isso.