_entrevista por Tomás Bello
João Krefer é um cineasta paranaense. Nunca ouviu falar? Pois deveria.
O cara já foi premiado por aqui, na China e na Grécia, além de ter levado várias indicações em festivais na Sérvia, Líbano e EUA. Recentemente, fez a sua primeira exibição solo no renomado Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, sua terra natal.
Na semana passada, João embarcou para a Suíça para o Festival de Cinema e Videoarte de Ascona, onde três de seus curtas – Casa, Julho e Oscar 07/02 – foram selecionados. Mas antes, bateu um papo com a NOIZE.
Videoinstalação, cinema, arte, idade. A conversa foi longa.
Mas vale a pena. Senta que lá vem história.
Julho (July) | 2010 from João Krefer on Vimeo.
NOIZE: Você foi premiado recentemente no Hong Kong Mobile Film Festival Awards com o curta Julho, certo? Mas também já participou de festivais no Líbano, Nova Zelândia e EUA. E tem apenas 24 anos (!!). Uma espécie de “garoto prodígio”. O cinema e a arte não tem mais fronteiras?
R: É curioso você dizer isso, porque na minha geração, pelo menos, isso é algo que está se tornando comum. Aos poucos, o cinema está se aproximando de outras formas de expressão mais “pop”, com impacto cultural mais imediato. Não que a indústria tenha se tornado mais flexível, pelo contrário, mas hoje um jovem pode fazer um curta-metragem independente assim como quem monta uma banda. Ou seja, sem querer te decepcionar, mas já sou até um pouco velho… (risos)
N: Partindo do início mesmo, do básico: as palavras “videoinstalação” e “videoarte” têm aparecido com mais frequência no vocabulário brasileiro recente, mesmo assim ainda têm significado distante pra muita gente. O que elas significam? Como descrever “videoinstalação” e “videoarte”?
R: O conceito de videoarte vem de uma época onde as fronteiras entre cinema, televisão e artes visuais eram muito mais claras e determinadas, tanto em termos tecnológicos quanto conceituais. O surgimento do vídeo foi encarado por alguns artistas como uma forma de resistência à comunicação de massa (outro termo que já não possui mais as mesmas implicações). Ou seja, “videoarte” era algo muito específico do universo das artes visuais, não era “coisa pra cineasta fazer”. Hoje essa definição já está bem mais diluída, os contextos dialogam entre si. Eu diria que a videoarte é basicamente a imagem em movimento levada para o contexto das artes visuais, mas isso não impede que uma mesma obra seja exibida tanto num museu quanto num festival de cinema. E a videoinstalação seria uma modalidade interna em que há uma preocupação maior com a organização do espaço de exibição; quando o vídeo em si passa a ter outro tipo de fruição por causa da maneira como os monitores foram posicionados, por exemplo.
N: A conexão entre fotografia e cinema não é exatamente novidade, mas você parece encarar essa relação de uma maneira muito peculiar. Quando fez o Oscar 07, por exemplo, você não registrou a arquitetura do museu como talvez fosse esperado, mas revelou nele uma espécie de vida própria. É por aí o seu modo de ver essa conexão fotografia-cinema, no sentido de não apenas “garantir belas imagens e uma luz perfeita”, mas desvendar uma nova maneira de ver as coisas e o mundo?
R: Sempre tive uma relação muito forte com a imagem, enquanto conceito mesmo. Sou do tipo que às vezes nem presta atenção nos diálogos de um filme, me preocupo muito mais com ritmo, luz, composição. E o quanto isso pode expressar ideias, de maneira tão ou ainda mais complexa que no trabalho com dramaturgia e atuação. O Oscar 07/02 é isso, um questionamento levado ao extremo sobre a necessidade de imagens que compactem a realidade de maneira pretensamente fiel. E sobre todo o potencial estético que há na vida cotidiana, mesmo que às vezes a gente precise de uma câmera para nos permitir ver isso.
Oscar 07/02 | 2009 from João Krefer on Vimeo.
N: Você estuda cinema, mas extrapola esse limite (do cinema mais tradicional). Bebe na fotografia, na arte, etc. De onde vem o seu background, o que fez você dizer “ok, é isso que quero e vou fazer”?
R: Bom, metade da resposta eu posso dar de maneira apaixonada, que eu faço isso porque-de-outro-jeito-a-vida-não-vale-a-pena, etc. A outra metade é de natureza mais prática mesmo. Com todo esse apelo visual na minha forma de se relacionar com o mundo, não demorou pra eu me tocar que esse tipo de “comunicação visual” era muito mais viável no universo híbrido da arte contemporânea, por questões práticas mesmo. Tenho uma preocupação em conseguir dialogar com as pessoas num ambiente em que elas estejam realmente interessadas. E num museu eu posso exibir um vídeo aparentemente abstrato sem que ele seja pré-julgado por um exército de cinéfilos tradicionais que colocam a narrativa e a representação humana na tela como se fossem o parâmetro inicial de uma análise. O público das artes visuais já tende a olhar como se fosse “pintura em movimento”, consegue reconhecer mais facilmente nesse tipo de abordagem um projeto conceitual sólido e complexo. Claro que estou falando de maneira generalizada, porque sempre vai ter aquela pessoa que olha e só diz: “nossa, que bonitinhas as gotinhas de chuva que você filmou…” (risos).
N: Já vi você citando Godard em entrevista. Ele está entre seus cineastas preferidos? Você tem algum cineasta preferido?
R: Gosto bastante dos filmes dele, principalmente os filmes que se aproximam mais da ideia de ensaio. O Godard é um desses raros cineastas que não apenas não param no tempo, como também servem de inspiração para novas gerações. Você não vê outro cineasta da época dele fazendo cenas com celular e dispositivos móveis com mais criatividade que aqueles que já nasceram na “era da mobilidade”. Pra você ver como a tecnologia influencia muito menos do que o conceito da obra…
N: Hoje, fazer cinema não é mais (ou apenas) ter uma 35mm, uma super equipe e coisas do tipo. Ele já está dentro do universo digital, seja através de câmeras “mais convencionais” ou mesmo de celulares. Como você encara isso? Acha interessante pro cinema – benéfico, traz diferenças, novas possibilidades e formas de se fazer filme, de se relacionar com o público?
R: é indiscutivelmente um avanço, em todos os sentidos. Mesmo em Hollywood, hoje você assiste a um filme como o Inimigos Públicos, do Michael Mann, e caga pro fato de não ter sido filmado em película. A mesma coisa nos últimos filmes do Aleksandr Sokurov, se for pra falar de um cinema supostamente mais artístico. Insistir em tecnologias analógicas só tem razão de ser quando isso é justamente um questionamento central da sua obra, como no caso dos “filmes reciclados” do Peter Tscherkassky. De resto é só conversa de cineasta velho que caducou.
@eusoutomasbello É jornalista e Editor da NOIZE.