Entrevista | Kamau

05/08/2010

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Por: Revista NOIZE

Fotos:

05/08/2010


Dois anos após o lançamento de Non Ducor Duco (do latim: “não sou conduzido, conduzo”), seu primeiro disco solo, Marcus Vinícius, o Kamau, conversou por skype com a NOIZE. Falou sobre a indicação ao VMB na categoria rap (com o clipe acima), suas reflexões quanto à cena, suas influências e o duradouro rendimento de seu primeiro trabalho. O papo coerente do rapper paulista, que puxou a frase do brasão da cidade para o título do seu primeiro disco, você confere nas linhas abaixo:

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Fotos: Luciana Faria/Divulgação

Texto: Bruno Felin


O Non Ducor Duco completou dois anos e ainda rende frutos, como a indicação ao VMB na categoria rap. Qual teu sentimento quanto a isso?

O sentimento é que em uma época em que tudo passa tão rápido, o que eu pensei em fazer pra durar tá durando. E tem muita gente que ainda não conhece o disco e que pode conhecer. É um primeiro passo, bem dado, pra essa minha carreira solo. Não é um meu primeiro passo em si, mas é um primeiro passo bem dado e que realmente fortaleceu tudo que eu venho fazendo até aqui.

Você acha que isso é por ter sido pensado pra ser um álbum full?

Ele foi pensado como um álbum. Eu já fiz EP no começo da minha carreira, fiz um disco com o Simples, fiz uma mixtape, mas esse álbum foi o que eu mais me empenhei por que eu somei toda a minha experiência e eu queria fazer um álbum mesmo, não um cd, não um disco. É fácil fazer um CD hoje com as facilidades que a gente têm. Então eu pensei no conceito do álbum, no que eu ouvia de álbum antes e tudo que eu imaginava que seria o meu primeiro álbum. Todo o empenho que eu coloquei, não só por ser um álbum – independente do formato ou do nome – mas todo o empenho que eu coloquei para que fosse um obra bem acabada, é o que faz com que seja tão duradouro.

E a indicação ao VMB de novo? Você acha que é uma lista que retrata bem o rap nacional?

Eu acho que a MTV não tem todo o conhecimento do que está acontecendo no rap. Não a MTV como um todo, mas as pessoas que realmente fazem com que as coisas aconteçam na MTV não têm esse conhecimento. Muitas pessoas que trabalham lá sabem, acompanham, e essas pessoas conseguiram colocar alguns nomes lá. E também o que colocam lá é o que chega para essas pessoas, mas têm muitas outras coisas acontecendo. De certa forma retrata bem, mas tem muita coisa que não dá pra se resumir em cinco nomes.

E essa discussão de nova escola e velha escola no rap? Qual tua posição quanto a isso?

Eu acho que essa é uma discussão antiga que já não acontece mais tanto, mas digamos que eu seja de uma geração intermediária. Eu acredito que existam as gerações e existe a evolução no jeito de se fazer e com essa evolução a gente consegue ramificações. Eu acredito numa escola verdadeira, de quem continua aprendendo. Tanto é que o Racionais MC’s tá aí há 20 anos já e isso mostra que eles ainda estão aprendendo e que alguns vão continuar e outros vão parar logo ali na frente. Tanto é que teve uma geração de 2000 pra cá que já sumiu e varias outras pessoas apareceram. Eu vim um pouco antes disso e de certa forma ainda estou aí. Isso mostra o quanto a gente continua aprendendo, mas não quer dizer que a gente saiba mais que as outras pessoas.

Você para pra analisar o trabalho de outros MC’s nos lugares onde você passa?

Eu sempre sou público em primeiro lugar, por que eu aprendi a ouvir rap sendo público e continuo ouvindo rap. Eu não me acho superior ao ouvinte. Eu sou só mais um ouvinte que faz música. Eu presto atenção em tudo que chega pra mim de alguma forma ou quando eu vou num lugar ou quando eu recebo algum link. Por um acaso eu acabei de receber o CD de um parceiro de Goiânia chamado Gasper (myspace.com/gasperl2) que eu já tinha visto alguma coisa pela internet e em Goiânia eu consegui chamá-lo para participar do meu show, ele fez umas duas rimas lá e eu gostei do trampo que eu ouvi. Então eu sempre recebo algumas coisas, umas eu consigo ouvir, outras não, porque é um volume grande, mesmo eu não tendo uma gravadora. Eu não consigo ajudar todo mundo, pois eu ainda tenho que me ajudar bastante, eu recebo algumas coisas e tenho interesse sempre de conhecer coisas novas. Eu sou muito empenhado, digamos, em conhecer coisas novas sempre.

O que você acha que falta para o rap chegar num público maior?

Eu acho que a gente tem que ter um pouco mais de acesso a outras mídias que atingem esse público maior, a restrição não é do rap, não é uma coisa que o rap não quer sair. É que a gente quer chegar com dignidade nos lugares e alguns fazem algumas coisas que acham que vai ajudar mas acabam passando um outra imagem do rap. Isso acontece desde o começo. Já houveram várias tentativas de mostrar o rap pro público mas ou tentaram maquiar demais ou as pessoas que estavam fazendo mudaram a ideia inicial para poder se mostrar pra um outro público. Acho que a gente tem que continuar fazendo, sendo verdadeiro, e fazer com que as pessoas percebam o quanto há de verdade no que a gente diz. Fora isso, uma outra coisa que precisamos é de profissionais que façam outras coisas além da música como assessores de imprensa, pessoas que fazem uma distribuição digna, pessoas que organizam shows, iluminadores, fotógrafos, pessoas que trabalham com vídeo, enfim. E tudo isso tem aparecido bastante agora, graças a Deus, a tecnologia permitiu que também aparecessem esses outros profissionais. Mas ultimamente o que mais aparece são MC’s e produtores. Nem DJ’s eu posso dizer porque eles precisam de um pouco mais de equipamento do que esses outros dois elementos. Mas a gente tem bons profissionais surgindo e espero que apareçam muitos mais, pois a música precisa de muitas outras pessoas além das que fazem música. É como se a música fosse o coração e o pulmão de tudo isso, mas a gente precisa de mais cérebro e mais pernas.

Mas em termos de mídia, hoje há muito mais alternativas, as pessoas têm acesso a muitas outras coisas além do mainstream.

O problema é que tem muita gente que não busca né?! O que acontece é que muitas coisas sempre tiveram ai e a gente tinha dificuldade de buscar essas coisas e agora a internet permite. Mas mesmo hoje, além de buscar, precisamos garimpar. Antes vinha uma coisa só, do rádio ou da televisão, e o que vinha de diferente era pelo boca a boca. Agora vem muita coisa por blogs, Youtube e a gente precisa ouvir muita coisa e descobrir do que realmente gostamos, pois há muitas outras atrapalhando nossa visão. Acabamos passando pelas coisas boas ou descobrindo bem depois e as vezes tarde demais. Eu acho legal o meu disco conseguir que as pessoas estejam sempre descobrindo, isso é legal.

A contratação do Rincon Sapiência pelo Midas Music do Rick Bonadio pode indicar um pouco esse crescimento? O que você achou disso?

Eu tenho conversado com o Rincon sobre isso. Eu acho legal, mas a contratação é um ponto, é um marco, precisamos ver como vai ser o trabalho. Temos que ver como vai ser trabalhada a imagem dele. O Rincon já tem um respeito na cena e ele conseguiu tudo isso trabalhando, sendo ele, independente. Desde que eu o conheci num concurso de rap, venho acompanhando a evolução dele como artista e agora tem que ver como ele vai conseguir usar a máquina da industria a favor dele e se as pessoas vão saber lidar com o que é o Rincon ou vão tentar moldá-lo pra tentar ser uma outra coisa. É preciso esperar as coisas acontecerem. Já tivemos outras contratações, o Xis, o Doctor MC’s já foram de uma gravadora grande e infelizmente não deu tão certo. O Cabal, Negra Li, Helião também já foram e algumas deram certo, outras nem tanto, então temos que ver o que vai acontecer agora. Infelizmente a gente não tem grandes exemplos que continuam por muito tempo funcionando em grandes mecanismos. Mas o MV Bill, por exemplo, tem um trabalho forte porque a distribuição é de uma gravadora grande, mas a direção artística continua sendo dele. Temos que ver como o Rincon vai conseguir trabalhar isso com a Midas Music.

Voltando ao Non Ducor Duco, como foram as vendas do disco físico? E o que você acha dele rodando para download na internet?

Eu queria que a minha distribuição fosse muito melhor pra que o produto físico chegasse nas pessoas de uma maneira mais digna, digamos assim. Quando você sai de casa pra comprar um disco ou você compra o disco na mão do artista, há uma história pra contar. Quando você baixa a música ela te acompanha em vários momentos da tua vida, mas não tem uma história com um mp3. Eu acho legal que ela chegue nas pessoas e elas consigam se relacionar com o que ela diz, mas eu quero que ela chegue com toda história do cd e tudo mais pra que tenha algo pra se apegar mesmo. É legal, mas a única música que eu autorizei na internet foi “21|12”, desde o começo. Não vou dizer que a internet não me ajudou, mas ao mesmo tempo temos uma certa dificuldade por exemplo em conseguir uma distribuição maior e outras coisas que podem melhorar o trabalho. O dinheiro que eu tenho pra fortalecer meu trabalho é vender o CD. Sempre digo que o show é meu salário e a venda dos CD’s é pra gravar e fazer mais músicas e CD’s. Continua sendo uma faca de dois gumes pra mim, então eu ainda não sei como trabalhar exatamente. Meu investidor sou eu e as pessoas que acreditam e compram o disco. Não tenho como gastar em gravação, liberar na internet e esperar que esse dinheiro volte.

Você conhece muita coisa daquela chamada “golden era” do rap nos anos 90. Quais as tuas principais influências, faz um top 5 ai.

As minhas principais influências, as que ditaram um pouco do que eu faço hoje foi o Gang Starr e todos os afiliados; hoje em dia gosto muito do rap de Detroit influenciado pelo Dilla, mas eu gosto da parte mais crua e atual do rap de lá como o Black Milk, Invincible, Danny Brown, Apollo Brown. A tribe Called Quest, De La Soul e todo mundo do Native Tongues, desde o começo até Mos Def, Common. Acho que Wu Tang Clan é muito importante na minha formação, toda a estética que eles colocaram e até o Kanye West pelos samples de soul e tudo mais.

Você acha que o fato das pessoas irem atrás de muito disco clássico, antigo e de fora, enfraquece a música nova daqui?

Eu acho que elas têm um respeito diferente com as pessoas de fora, infelizmente, mas não sei se enfraquece não. É uma questão da gente saber como usar a música de fora pra fortalecer, por que as pessoas precisam de referência. A gente pode traçar um paralelo. Acho que é uma influência geral do modo de vida do brasileiro. Tem gente aqui enchendo mais show do que gringo quando vem.

E a notícia do fim o Indie Hip Hop no SESC, como te bateu?

É muito triste né. Mas pelo pronunciamento que eu vi das pessoas do SESC, se encerra um ciclo e vai se iniciar uma outra forma de fazer outra coisa. Espero que a gente consiga ter eventos como o Indie Hip Hop, com o mesmo espaço que tinha, e que as pessoas se conscientizem que a pior perda é perder pra nós mesmos.

Quando você fazia freestyle a inspiração era ali no momento. Pra compor, o que te inspira?

Eu comecei a compôr antes de fazer freestyle e a inspiração é o meu cotidiano. O free é uma resposta imediata. Numa das minhas primeiras rimas escritas acho que eu defini bem isso, em “Chegando”, do disco do Consequência: “A minha mente é um banco de informações, o freestyle é o extrato e a rima escrita é um investimento a longo prazo”. O freestyle serve pra ver quanta informação eu tenho ali na mente, se eu estou em débito ou em crédito, se estou bem, se estou com a conta cheia. A rima que eu escrevo é pra durar. A inspiração é quase sempre a mesma, pois eu não falo só do momento ou da roupa de alguém. Depende do meu momento pra saber como vai sair o freestyle e depende do meu pensamento pra saber como vai sair a letra.

E quais os planos para o fim de 2010?

Tenho uma música pra sair no disco do Tio Fresh que participa uma galera, o Emicida, o Xis, o Chris Konebo, Max B.O., o Maionezi, pessoal do SP Funk, KL Jay e etc, que tá pra sair logo mais. Tem essa participação na mixtape do Emicida que eu gravei na semana passada. Tem algumas coisas que eu estou compondo no momento, mas não têm exatamente pra onde ir. Eu não gosto de falar sobre as coisas que eu não tenho certeza, mas eu quero lançar alguma coisa ainda esse ano tanto no audiovisual quando musical. Eu não posso precisar quando vai ser nem o que vai ser, mas eu tenho muita vontade por necessidade minha, não por estar muito tempo sem lançar nada. Eu ainda acho que muitos não conhecem o Non Ducor Duco devidamente e eu posso apresentar pra essas pessoas. Então logo mais teremos novas notícias sobre trabalhos do Kamau.

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