Gigantes: festival de BK consagra o rap como força cultural

02/05/2025

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Por: Lucas Freire

Fotos: Divulgação/b+ca

02/05/2025

No dia 26 de abril, a Praça da Apoteose, icônico palco do Carnaval carioca, mais uma vez se rendeu a BK. Um ano após sua apresentação arrasadora na estreia da turnê Icarus, o artista retornou ao cenário que inspira suas maiores ambições — desta vez, não para um simples show de lançamento, mas para fazer história no hip-hop com a estreia de seu próprio festival.

Desde o lançamento de seu já aclamado quinto álbum, Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer (2025), BK alimentou especulações sobre qual seria seu próximo grande movimento. A resposta veio com o inesperado anúncio do Gigantes Fest, o único festival de rap programado para o primeiro semestre no sudeste brasileiro, idealizado pelo seu selo homônimo.

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Confira os samples brasileiros presentes no novo álbum do BK’, “DLRE”

“O Gigantes é um festival para quem gosta de rap”, declarou o artista durante a coletiva de imprensa realizada na véspera do evento. Suas palavras ecoaram entre o público — ou, como ele mesmo diria, entre o “bando”. Mais de 30 mil pessoas presentes no sábado testemunharam a estreia do que foi anunciado como o maior festival de rap da geração, em um momento de declínio de eventos do gênero que surgiram nos últimos anos.

Nem mesmo a semana chuvosa que antecedeu o evento preocupou os cariocas. À tarde, o sol surgiu, proporcionando um clima outonal ideal para as primeiras apresentações. O público foi chegando gradualmente e, pouco a pouco, abraçou a proposta do festival — algo perceptível pelas bandanas distribuídas durante a audição do álbum DLRE, realizada em janeiro no Circo Voador, item que o próprio BK havia pedido aos fãs que levassem em suas redes sociais.

Com uma curadoria diversificada, mas criteriosa, o line-up reuniu desde os nomes mais promissores da nova geração até ícones consagrados da música preta brasileira. Artistas emergentes, como Faye e Maui, dividiram o palco com figuras lendárias, como Evinha, Pretinho da Serrinha e as integrantes do Fat Family, que carregam mais de três décadas de trajetória.

Aquecendo a pista

Logo nas primeiras horas do festival, depois do set de abertura comandado pela DJ Pauly, Lis Mc e Matheus Coringa deram o tom do evento com uma energia contundente, deixando claro desde o início: quem não estava ali pelo rap havia se enganado de lugar. Djonga reforçou o recado em seguida, alternando entre faixas do seu novo projeto e clássicos da sua trajetória como “O Mundo é Nosso”, “Ladrão” e “Solto”, culminando na já tradicional roda punk ao som de seu hino pessoal “Olho de Tigre”.

Fye e Ebony assumiram o palco no fim da tarde. A aniversariante do dia, Ebony, brilhou ao comandar o ritmo com sua presença marcante desde os primeiros segundos. Sua performance encerrou em alto astral, especialmente quando agitou o público feminino com a provocante diss “Espero que Entenda” –  atitude de rap,  com nuances pop na entrega.

Ritmos brasileiros

Com o pôr do sol, as atrações principais tomaram o palco, superando as expectativas do público, que já eram altas,  e promovendo misturas inusitadas. Os boom baps sobre churrasco de Sain e Febem encontraram repouso nos vocais do príncipe do pagode, Belo, em um playback tocado ao fim da apresentação dos High Boyz. Já Mc Luanna transformou o Rio de Janeiro no seu baile particular e fez todos ficarem boquiabertos com seu rap-funk cheio de presença e performance. Luccas Carlos trouxe a suavidade romântica que estava faltando na noite. 

O ápice ficou por conta do show comemorativo de 20 anos de Babylon by Gus (2004). Gustavo Black Alien, aos 52 anos, demonstrou vitalidade em performance que, apesar de alguns esquecimentos das letras, manteve o nível técnico e emocional. O episódio foi contornado com jogo de cintura pelo veterano.

Menção honrosa para o set hipnótico das DJs Aisha e Yaminah, que teceram uma verdadeira tapeçaria sonora entre as apresentações principais.

BK

A razão pela qual todos estavam reunidos naquela noite gerou certa ansiedade, mas não demorou muito para que Abebe Bikila aparecesse em meio a fogos de artifício e estruturas metálicas montadas especialmente para sua apresentação.

No show, a materialização ao vivo de tudo o que havia sido construído no álbum. Grandes nomes da Música Popular Brasileira, como Evinha, Fat Family e Pretinho da Serrinha, contribuíram para as participações especiais, além de artistas promissores da cena, incluindo Melly, Borges, MC Maneirinho, LEALL e Maui, construindo um perfeito balanço entre o ancestral e o atual.

As músicas de DLRE ganharam um ar mais orgânico, mesclando a sonoridade eletrônica do trap com os riffs de guitarra e swings de bateria da banda formada para a ocasião. O setlist, porém, não se limitou às novas faixas — BK também revisitou trabalhos antigos durante as mais de duas horas em que permaneceu no palco. 

O destaque especial vai para o momento em que o rapper chamou todos os seus convidados e equipe para cantar “Amém, Amém”, faixa mais divertida da playlist do último álbum, ao se encaminhar para o final da apresentação. O rapper entregou um desempenho à altura de quem afirma, sem hesitação, “ser o melhor de sua geração”. E quem esteve na Apoteose no dia 26 saiu sem dúvidas sobre essa afirmação.

A Noize conversou com alguns dos artistas presentes para entender suas impressões sobre o festival e a importância do evento para o cenário da música preta brasileira.

A Noize entrevistou alguns dos artistas que subiram ao palco do Gigantes. Confira abaixo:

DJONGA

Você e o BK tão juntos nesse rolé do rap há muito tempo, um participando do álbum do outro, ele está no seu álbum de estreia, o Heresia (2017). Qual é a sensação de quase 10 anos depois estar participando de um festival desse? Qual a maior memória que você tem da  época em que se conheceram?

Eu estava fazendo rap lá em BH, aí um dia o parceiro mandou e falou: “Mano, esses caras aqui… isso é 2015, sei lá, 14, não lembro. Foi a música ‘Pedra’, do Nectar, certo? ‘Bombepzão'”. E o cara falou: “Esses caras aqui parecem com a gente, né, mano? Pelo estilo, o jeito de vestir, o jeito de cantar. Esses caras aí, desses caras do momento, são os únicos caras que eu me identifico”.

E aí eu acho que esse é o grande lance. Quando eu vi isso, eu falei: “Esses caras são fodas”. BK lançou o disco dele. 2017, eu lancei Heresia, e a gente se conheceu.

Foi um cara que, com certeza, me inspirou muito também, por ver um cara igual a gente. Eu me inspiro muito em quem tá do meu lado, sacou? A minha maior lembrança é de sentir que tinha um cara igual  eu, com as especificidades dele, claro. Mas tinha um cara que eu sentia que se parecia comigo.

E isso aqui (festival), para mim,  é uma vitória para os pretos.

MAUI

Você foi lá na UERJ recentemente, contou um pouco da sua trajetória, o que aquele menino do começo tá pensando sobre essa oportunidade e tudo que tem acontecido na sua carreira?

Nossa, ele tá pensando que a gente é “a chance em 1 milhão”, tá ligado? Saí do palco e comentei com meu produtor: ‘Quem diria que ir pra batalha de rap de Nova Campinas fez a gente chegar aqui?’ E pensar que não éramos só nós que estávamos lá: eram vários sonhos. Então, vem a responsabilidade junto.

Hoje, eu assisti os melhores artistas do país entregando shows impecáveis, e a responsabilidade de estar representando a mim e todos os outros menó da Lapinha chega junto com a oportunidade, tá ligado? Acho que a oportunidade de representar uma massa de gente é isso — por isso, subi no palco com a camisa da Baixada, sempre levantando essa bandeira, porque pra um de nós estar aqui é muito difícil. Acho que esse nirvana, essa responsabilidade, chega junto com esse momento 

MC Luanna

Não é a sua primeira vez no Rio de Janeiro, mas eu queria saber o que você achou da recepção do público carioca ao seu trabalho e o que significou pra você fazer parte desse festival hoje?

Meu, eu estava muito insegura porque já tive duas experiências aqui no Rio e eu saí chorando, assim, tipo, de frustração comigo mesma.E hoje foi a primeira vez que eu saí muito feliz e muito contente com o que a gente entregou.

Então, pra mim, foi muito importante, desde quando eu recebi o convite, até toda a execução, todo o preparo de todo mundo, assim. Foi tudo muito perfeito, então fiquei muito realizada e muito feliz por ter ressignificado esse sentimento ruim que eu tinha sobre trabalhar aqui no Rio de Janeiro, sabe?

Evinha

Qual foi a sensação de subir no palco hoje e cantar para essa plateia enorme, esse novo público que parece estar tão encantado com a sua obra, que parece estar redescobrindo a sua obra?

Eu sempre falo que é surrealista, porque eu não esperava nada disso, nunca esperei nada disso. Eu fiz muitos discos na minha juventude e tudo, e agora, de repente, acontece isso. Hoje foi uma consagração, um sonho… Eu não sei nem… eu ainda estou, sabe, sem ação, sem saber. Essas pessoas, esses jovens que me conhecem agora, né?

Eu tive a oportunidade quando era muito jovem, de ganhar um festival, mas eles não sabem disso. Eu ganhei um festival: fase nacional, internacional, revelação, tudo. Ganhei vários prêmios, né? Tive uma carreira, depois fui morar na França, casei. Mudei e até hoje moro na França.

Estava tranquila assim, falando com meus netos, brincando, quando recebo esse convite do BK para trabalhar em duas músicas minhas. Falei: “Que bom, legal!” Eu não conhecia muito o rap, não é muito o meio onde eu circulo, né? Mas eu respeito muito, e deu nisso aí. Muito incrível, muito bacana.

Fat Family

Vocês falaram no palco sobre ter se encontrado na música preta hoje, qual a importância e como vocês avaliam esse novo público do BK chegando até vocês?

O BK trouxe exatamente isso: um renovo para a nossa música, para o nosso ânimo como artistas. Porque nós estamos chegando a quase 30 anos e hoje a gente está conseguindo enxergar a nossa importância dentro do cenário musical, como representantes da música preta.


Isso é muito importante, porque nós sabemos que existem muitos nichos na música. E esse respeito no palco, esse resgate… É como se o BK estendesse a mão pra gente — que somos da geração passada – e a gente estendendo a mão pra atualidade, que é ele. 

E isso mostrou hoje no palco. Na nossa apresentação ali… Dá vontade nem sair do palco, dá vontade de não sair! Porque a gente viu que o público, trazendo esse renovo pra gente hoje… Eu posso falar que nós renovamos nossas forças aqui, junto com esse público, dividindo e fazendo parte desse projeto maravilhoso do BK. A gente já tem gratidão, gratidão mesmo. O BK já entrou pra nossa história também, faz parte da trajetória do Fat Family.

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Lucas Freire