Um dos nomes mais marcantes da black music brasileira, dono de hits inesquecíveis, Hyldon conversou com a NOIZE sobre sua carreira, seus projetos futuros e o show que fará no Coala Festival, no dia 7/9, ao lado de Sandra Sá e Tássia Reis. O trio promete levar um baile black cheio de clássicos para o palco do evento, em um encontro de gerações que certamente ficará marcado na memória de quem assistir.
“Quando a gente vai fazer um show, cantamos as músicas que foram sucessos e vemos as pessoas cantando junto, rola uma simbiose. É como se fosse a recompensa por toda a dedicação que tivemos à música”, declarou o artista carioca. Tássia Reis também comemorou o momento: “A música brasileira é preta e isso precisa ser celebrado. Vou representar a nova geração, exaltando esses dois gigantes, é uma super honra e uma responsa”.
Além do show, Hyldon adiantou que está com dois álbuns no forno, prestes a serem lançados, um deles produzido por Adrian Younge, do Jazz Is Dead. Muito boa praça, o artista também contou diversas histórias icônicas sobre sua convivência com Tim Maia, Cassiano e outras figuras icônicas da música brasileira. Confira abaixo a entrevista completa.
Como surgiu a ideia de unir você, Sandra e Tássia no palco do Coala?
Essas ideias doidas só podem sair de uma cabeça: Marcus Preto. Ele gosta dessas experimentações. Eu conheço a Tássia, mas nunca toquei com ela. Já com a Sandra de Sá, a gente já fez um projeto, um tributo ao Cassiano no ano passado. Foi muito legal, rolou no SESC Belenzinho. Mas, cara, eu gosto muito de estar no palco com músicos bons, tocando em um lugar onde as pessoas estão prestando atenção na música. E o Coala é emblemático, principalmente fazendo 10 anos. Todo mundo com data redonda: a Sandra está fazendo 30 anos de carreira, eu estou fazendo 50 anos. E tem a Tássia, que é mais novinha.
Você e Sandra são nomes marcantes da black music brasileira, que surgiu ali nos anos 70 e 80 e transformou o cenário musical. E a Tássia, de certa maneira, continua com essa história. Como você enxerga esse legado, que vem sendo construído há décadas e influenciando um monte de gente?
É difícil ter uma carreira tão longa, com músicas que continuam tocando e passando de uma geração para outra. Pô, isso é um presente divino. Eu acho que isso define o artista. Eu sempre procuro interagir com a galera mais nova, tenho muitos afilhados. O Papatinho, por exemplo, começou a trabalhar e produzir aqui comigo. E é uma coisa que eu gosto de fazer porque, quando eu comecei, eu tive ajuda das pessoas. Meu primo era do The Fevers e me ajudou muito. Ele tocava com todo mundo, viajava, e me levava para São Paulo para assistir à Jovem Guarda, na época que estava bombando, lá nos anos 60. Eu era garotinho, ele me deu a primeira guitarra, me incentivou a formar uma banda de garotos da minha idade. Eu fundei Os Abelhas em Niterói. Fizemos muitos bailes, e foi uma escola porque a gente tinha que tocar todo o tipo de música. Eram quatro horas de show. Eu também tive a ajuda do Maestro Ian Guest, que me deu uns livros para ler, como Cartas a um Jovem Poeta [de Rainer Maria Rilke] e As Dores do Mundo [do filósofo Arthur Schopenhauer]. Depois, até fiz uma música com esse nome, que foi gravada pelo Jota Quest e pela Sandra, com um arranjo do Lincoln Olivetti. Outro dia, fizemos uma homenagem para o Lincoln no programa Sem Censura na TV Educativa aqui do Rio. Foi muito legal. A nossa música, a black music, tem muita história. Tem a Black Rio, o Candeia, o Carlos Daffé, e um monte de gente. Só não fomos mais para frente porque… “Apertem os cintos, o piloto sumiu!”. Tipo assim, o Tim Maia era muito louco, cara. Eu fiz até uma homenagem a ele com a música “Estrada Errada”. Ele falava: “Eu não posso nem comigo, Teresa!”. E era mais ou menos isso. Ele tinha ciúme, brigava com o Cassiano, brigava comigo também. Chegamos a ficar de mal por um tempo. Mas eu e o Cassiano fomos dois dos caras que mais produziram com ele. Tenho muitas músicas com ele, gravamos discos juntos. Mas ele me apoiou, sabe? Foi um cara que me deu força. Então, eu sempre procuro puxar a rapaziada, chamar gente para interagir, para compor. Passar conhecimento também é importante, acho que só assim você cresce, esvazia a mente e aprende outras coisas. Conheci o Tim, fiz uma música com ele chamada “I don’t know whats to do with myself”, que ele colocou no segundo disco [Tim Maia, 1971]. Nesse segundo disco, já estou tocando guitarra, eu e o Paulinho Guitarra. Depois, continuei gravando com ele.
Imagino que devem existir muitas histórias ao longo de tantos anos…
Agora, estou fazendo um filme chamado As Dores do Mundo, contando a minha vida, com direção do Emílio Domingos, que fez A Batalha do Passinho e Chic Show – e é muito ligado na black music. Mostrei para ele um material de um show que fiz no Teatro Opinião com a Banda Black Rio, que rendeu um disco chamado Sabor de Amor (1971). Esse disco está sendo relançado agora. Naquela época, não tinha celular nem essas coisas, então o técnico de som resolveu gravar o show numa fita de 7,5 polegadas e me deu. Nesse dia, estou tocando e, de repente, alguém veio falar comigo: “Olha, tem um gordinho ali subindo no palco, cheio de instrumentos”. Eu olhei e era o Tim! Ele levou uma porrada de coisas, conga, tamborim, pandeiro, tudo, e fez o show inteirinho junto. Chegou uma hora em que eu anunciei que era ele e o pessoal nem acreditava, porque não tinha luz para ele. A plateia começou a gritar: “Canta, canta, canta!”. E nós fizemos um improviso de uma música. Eu ainda estava com voz de garoto. Colocamos essa partezinha da gravação no meu canal no YouTube. Mostrei para o Emílio, ele adorou, mas falou: “Pô, cara, não tem imagem?”. Não tinha imagem, só a foto do show e imagem do cartaz. Eu gravei quase tudo com a Jussara e a Jurema, que eram do Trio Ternura. Elas cantaram com o Tony Tornado no festival. Você tem que ver a cena do Tony cantando “BR-3” no festival. Depois disso, eles formaram o BR-4, que era a banda que o acompanhava. O Trio Ternura e eu viajamos muito com o Tony. Com o Tony, eu tive a experiência de tocar com um cara que estava estouradão, que tinha a pegada mais James Brown. O Tim era outra coisa, mais ligado ao soul. O Tim me ensinou a tocar contrabaixo. Ele confiou em mim, eu tinha 18 anos, e gravava com ele. Hoje em dia, você copia e cola, grava tudo separado. Naquela época, era todo mundo junto na mesma sala do estúdio: orquestra, cordas, guitarra, bateria, vibrafone. A primeira vez que gravei, minha mão suava de pingar. O pianista dos Fevers ficava soprando no meu ouvido: “Dó sustenido menor” – e eu fazendo aquele groove. Portanto, eu sempre procuro fazer isso, como fizeram comigo, meu primo fez, o Pedrinho, o Tony, o Cassiano. Viajei com o Cassiano por três meses pelo interior, tocando em todo lugar, ficando hospedado até em puteiro. A gente foi até a Bahia e voltou. Ele gravou “Coronel Antônio Bento”, gravou “Primavera”. Eu aprendi muito. Hoje em dia, tem muita coisa na internet, YouTube, mas não é a mesma coisa de ver o cara tocando na tua frente.
Qual a importância de fazer o Baile Black no Coala? Apresentar toda essa bagagem e história para uma nova geração?
Cara, acredito que a Sandra também compartilha desse sentimento, mas acho que a gente é muito privilegiado. Trabalhar num país como o nosso, com tanta diferença, tanto preconceito, tanto com negros, como de outras formas, e ainda conseguir viver daquilo que a gente gosta de fazer… é maravilhoso. Então, quando a gente vai fazer um show, quando cantamos músicas que foram sucesso e vemos as pessoas cantando junto, rola uma simbiose. É como se fosse a recompensa por toda a dedicação que tivemos à música. Eu, por exemplo, deixei de sair para bagunçar quando era garoto para ficar estudando dentro de casa. Quando gravei meu primeiro disco [Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda (1975)], fiquei cinco anos preparando ele. Deus, A Natureza e A Música (1976), meu segundo álbum, foi muito incompreendido pela gravadora e pelas rádios. Eu tinha estreado com um álbum super romântico, depois fui para Nova York e voltei com outra cabeça. Fiz “Estrada Errada” já com outra pegada. Mas esse disco não tinha uma música super romântica e a gravadora me cobrou por isso. Eu já estava meio brigado com eles, então nem coloquei minha foto na capa, que foi feita pela Clare Andrews, uma artista plástica. Também gravei um disco lá fora, com o pessoal do Jazz Is Dead, e estou gravando outro, cheio de músicas novas. Eu acho que está sendo um ano maravilhoso pra mim.
Para fechar, como estão os preparativos pro show? Qual o repertório que vocês vão apresentar? Quem vai estar na banda?
Rapaz, a gente está chegando pesado, com naipe de sopros e tudo que tem direito. Antigamente, eu queria cantar músicas inéditas nos shows, queria mostrar as novidades. Mas hoje, eu gosto mesmo é de tocar as músicas que as pessoas conhecem, que a plateia canta junto. Isso cria uma comunhão. Por exemplo, eu não posso fazer um show sem cantar “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda” ou “As Dores do Mundo”. A única música que foge um pouco do repertório clássico é “Baile Black”, que tem tudo a ver com o que a gente vai fazer, ela é uma música minha com o Dexter e o Mano Brown. Afinal, o hip hop é um braço da black music, e no início, ele bebeu muito da nossa fonte. Pro Coala, combinei com o pessoal do festival que eu ia escolher os músicos. Escolhi o Regis Damasceno, que já trabalhou comigo em outros projetos, e a bateria vai ser tocada por uma menina chamada Alana Ananias, que toca muito. Também vamos ter a Josyara, uma violonista baiana que é incrível. Vou levar minha guitarrinha, uma Fender Stratocaster que ganhei nos Estados Unidos, que eu amo. Foi uma experiência incrível. Então, completando a resposta para sua pergunta anterior, acho que a importância desse Baile Black no Coala é imensa. Trazer toda essa bagagem para uma galera nova é algo que a gente faz com muito carinho e dedicação. É uma oportunidade de mostrar todo o trabalho que fizemos e continuar esse legado para as próximas gerações.
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