Shangri-La, lugar mágico e mítico da obra de James Hilton (1900-1954), volta e meia ressurge como inspiração musical. É o caso de Rita Lee, quando cantava que era para lá que queria fugir, na faixa de mesmo nome lançada em 1980. Neste 2024, o lugar é rememorado na música de Rubens Adati, hoje conhecido pelo projeto “Meu Nome Não É Portugas”. Em outubro, o artista lançou o álbum Perdi Minhas Pernas em Shangri-La (2024, Cavaca Records), que você confere em detalhe neste Faixa a Faixa.
Foram quatro anos de espera desde o lançamento de Fraga e Sombra (2019), seu segundo álbum solo. O tempo foi necessário para Adati chegar ao som que buscava: uma psicodelia indie pop refinada, com camadas sonoras que remetem ao verão, aos sonhos e outras inspirações etéreas. Foi inspirado pela filosofia japonesa Ma, que propõe outra relação com o espaço-tempo por meio dos silêncios e vazios.
O músico chamou Chico Bernardes, Thiago Klein (Quarto Negro) e Thomas Hares (Céu, Jards Macalé), entre outros parceiros de som, para seu estúdio Inhame, a 40 minutos de São Paulo. O lugar foi fundamental para inspirar a vibe do trabalho, já que ganhou até uma faixa em seu nome, “InhameestúdioLoveSong”, que encerra o álbum.
Isso porque, além de oferecer o refúgio e inspiração, foi no estúdio que todas as sete músicas foram criadas. “Foi tudo gravado aqui, com pequenas exceções, então é como se o espaço conectasse as faixas. Saíram todas de um mesmo lugar, e conseguem ser diferentes mesmo assim”, explica Rubens Adati.
A primeira faixa, “Primitiva Enjoy the Ride”, é um convite para o ouvinte embarcar numa viagem sonora — o que pode ser feito com prazer ao longo dos 25 minutos de audição, passando por picos como “Eu Voltarei” e “Pantufa”, escolhida como primeiro single.
Mas quem conta melhor sobre cada canção é seu próprio criador. Confira abaixo o Faixa a Faixa de “Perdi Minhas Pernas em Shangri-la”, por Meu Nome Não É Portugas:
“Primitiva“: Essa música nasceu quando ouvi o baixo de uma música do Jupiter Apple e, na hora, já pensei em juntar com o loop de bateria de “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)”, foi um clique. Convidei a BAL pra somar com ideias de vocais que lembrassem coisas de videogame. No começo, o efeito é a entrada do disco, meio que entrando numa festa estranha, e essa voz vem e pede: enjoy the ride.
“Céu e Mar“: Juntei duas referências pra esse som: Demon Days (2005), do Gorillaz, e a outra foi o filme Merry Christmas, Mr. Lawrence (1983, Nagisa Ōshima), que tem o David Bowie e o Ryuichi Sakamoto. O tema central da música é a discussão sobre os pontos de vista, de quem está certo ou errado, diferentes valores morais. Convidei o Lou, da Walfredo em Busca de Simbiose, para gravar os vocais.
“Eu Voltarei“: Total In Rainbows (2007), do Radiohead. Sou eu tentando reproduzir o sentimento desse disco. Ela tinha outra pegada, era bem mais agressiva e caótica, mas, com o tempo, foi se acalmando e tomou essa forma — talvez replicando o significado da letra. É uma música sobre voltar pra si, sobre deixar pequenas partes de nós mesmos, partes que agora vemos que estão erradas, escorrerem pelos rios. Os pianos lindos são do Thiago Klein, ex Quarto Negro.
“Pantufas“: Tava ouvindo bastante o and the Anonymous Nobody… do De La Soul (2016), e quis tentar algo na pegada deles. Chamei alguns ótimos músicos para gravar e estava pronta. É uma música sobre entender o próprio ritmo, de encontrar a “cura” em si mesmo diante de um mundo – real e digital – que tenta vender remédios para as nossas dores.
“Perdi Minhas Pernas em Shangri-La“: Talvez seja a minha favorita… Consigo me imaginar na varanda numa noite quente, com os grilos no fundo. Na época, tava inspirado pelo som do Menahan Street Band. Se você não tem algo a dizer que esteja à altura do instrumental, é melhor não dizer nada.
“Ressaca“: Essa é a única música gravada ao vivo, com o Kehde na bateria e o Teco, no baixo. É mais suave, com mais caminhos harmônicos, bem diferente do começo do disco. Adoro o final dessa, uma improvisação gostosa. Acho que a frase que sintetiza essa música é “Um monolito da minha própria história”. É sobre esses momentos da vida que algo profundo em nós é mudado, e aquela lembrança serve de monolito para seguir novos caminhos – um ponto de referência pessoal que pode nos lembrar da nossa eterna capacidade de criar e de se recriar.
“Inhamestudiolovesong“: Esse som nasceu porque eu, sem querer, encontrei exatamente o som que o Windows faz quando aparece alguma mensagem de erro na tela. Comecei a brincar com isso e, quando vi, tinha uma base bem interessante. Mandei para o Thomas Harres que gravou alguns takes de bateria em cima, e me devolveu. Então, editei tudo de novo e mandei para o Bruno Ragnole gravar alguns saxofones. Mesma coisa – ele me devolveu várias ideias e eu editei tudo novamente. Esse som é uma homenagem ao estúdio, uma canção de amor por esse espaço musical que criei e que me criou.
Participam do álbum: BAL, Lou Alves, Thiago Klein, Pedro Lacerda, André Bruni, Henrique Kehde, Chico Bernardes, Teco Costilhes, Thomas Hares e Bruno Ragnole.
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