Gravado em três dias, o sétimo disco da Lupe de Lupe, Um Tijolo Com Seu Nome, saiu no final de agosto pela Geração Perdida e Balaclava Records. Com 24 músicas, o disco foi criado por Vitor Brauer, Gustavo Scholz, Jonathan Tadeu e Renan Benini, sendo que cada integrante assina seis composições.
“Do ponto de vista da produção musical, miramos nos discos com músicas super curtas, que possuem uma pegada ‘mixape’ ou que trazem coleções de canções”, explica Vitor Brauer. Na lista de referências, estão Donuts (2006), do J DIlla, Static Age (1997), do Misfits e os álbuns do Test. “Gravamos em três dias para fazer tudo da forma mais direta e bruta possível”.
O próprio nome surge dessa proposta: de escutá-lo no aleatório pois as faixas possuem duração entre um e dois minutos. “Ao invés de reclamar que as pessoas não escutam discos inteiros nos serviços de streaming, que tal usar essa nova forma de ouvir música como combustível? O que vai sair disso aí? Vai ser bom? Vai ser ruim? De qualquer forma, vai ser diferente – e pra gente, o diferente é sempre divertido”, explica o músico.
Os shows de lançamento do disco estão marcados no Rio de Janeiro (28/9), Vitória (29/9), e São Paulo (30/9 e 1/10). Saiba mais informações no site da banda.
1 – “Eduardo”: A ideia inicial era que cada um da banda fizesse seis músicas. O Renan me mandou essa como sempre: sem voz ou cantarolando um “lalalalalala” pra eu “compor” ao redor dessa ideia para ele fazer a letra na hora de gravar a voz. Esse foi o caso dessa. Escolhemos ela para começar o disco como uma apresentação e pela duração. Ela só tem um minuto e esse riff é a coisa mais hardcore punk que a gente já fez. Bem Dead Kennedys. Fora que não tínhamos o Renan começando um disco da Lupe havia muitos anos.
2 – “Paulo”: Eu que canto, né. Eu queria fazer uma música dessa veia hardcore punk que falasse sobre a imagem do idoso bêbado que às vezes aparece em shows. Antigamente, era uma figura que dava raiva, dava vergonha. Mas com a maturidade (e talvez a velhice iminente) essa figura se tornou um símbolo de coragem e de dor. O mundo o tempo todo te diz para “ser você mesmo”, só que o que ele te faz o tempo todo é fazer você ser igual a todo mundo. É uma síntese do que é a Lupe de Lupe. Para muita gente, talvez a banda esteja velha demais pra fazer música punk, mas a atitude mais punk e desafiadora continua sendo ser a gente, independente do que os outros dizem.
3 – “Bruna”: Música do Jonathan, onde ele, obviamente, está muito frustrado com o mundo do trabalho banal. O bullshit job. As vitórias ridículas do mundo do departamento e os relacionamentos superficiais que envolvem as relações de poder. O Jonathan apresentou uma demo com os acordes de guitarra picados para a gente preencher nos tempos. Do ponto de vista de produção, a guitarra picada foi o que me guiou. Do meio pra frente, toquei essa bateria meio indie rock dos anos 2000, dançante, justamente para realçar o caráter mecânico dos acordes e da temática da música. Mas pensei nisso agora, não foi algo planejado.
4 – “Maurício”: O Gustavo é um compositor demorado. Ele começa a fazer uma música anos antes até chegar o momento dela “combinar” com um disco da banda. E coitado, eu acabo tendo de transformar muito a música pra ela “caber” no disco. Ele já me falou que vê isso de forma positiva. Essa música, ele falou que queria uma coisa meio Queens Of The Stone Age, algo meio desert rock, porque a letra também veio nessa veia. A história de dois amigos drogados que se batem, talvez tenha alguma metáfora nisso. Mas qualquer arte boa não se estabelece apenas como uma metáfora sobre algo, assim também é essa música. O solo, especificamente, eu gostei demais de fazer. A melhor coisa da banda é isso: poder fazer músicas de vários gêneros e que tudo vai ser Lupe de Lupe, amarrados pela produção, mixagem, composição e letras.
5 – “Helena”: Renan falou que queria “Like Spinning Plates” do Radiohead, mas logo depois disse que queria “Soon”, do My Bloody Valentine. Tentei misturar as duas na produção, mas ao mesmo tempo, fazer com que ela combinasse com o disco. Essa e “Carlos” foram duas que o Renan fez em cima da hora. Porque antes ele tinha apresentado umas músicas meio nada a ver, que não combinavam nada com a temática do disco de trazer várias histórias aleatórias. O resultado foi uma música muito bonita. Em especial, destaco a guitarra do início e do fim com a bateria no fundo, uma adaptação da bateria de hardcore, só que para uma proposta mais atmosférica. Novamente, tentamos mirar na veia da mixtape de harcore/punk.
6 – “Martina”: Essa música é minha, ela começou ao redor da frase “é engraçado agora, mas na hora te prometo, não é não”. Que é uma frase mais profunda do que parece. Eu sou obcecado por essas armadilhas linguísticas. Quando você conta uma história, uma fofoca, ou qualquer coisa pra alguém e vocês riem, olhando bem de perto, muitas vezes, nem é algo tão engraçado. Ou quando é bom rir agora de uma coisa que foi muito séria no passado. Falar essa frase coloca as coisas em perspectiva. Acabou virando uma música sobre pessoas que começaram um perfil no Onlyfans ou qualquer tipo de coisa assim e o tabu que envolve isso. Todo mundo lida como se fosse uma coisa absurda, mas olhando bem, todo mundo se prostitui de uma forma ou de outra. Olhando bem de perto é até bem parecido com isso aqui que eu to fazendo agora. Fazer arte é se abrir para o mundo. De uma forma ou de outra.
7 – “Isaac”: Música do Jonathan sobre a perda de amigos. Uma coisa me foi dita recentemente, que “a gente não é obrigado a ser amigo de todo mundo”. Muita gente faz merda e espera um abraço amigo, alguém pra consolar. Acho que essa música fala sobre como a gente vira refém dos nossos amigos que fazem merda. É foda. Sobre a produção, acho que só bati o mais forte possível na bateria e toquei o mais forte possível na guitarra. Uma música para ser um tijolo na sua cara, do início ao fim. Um aspecto muito bom nesse disco é que o Jonathan finalmente começou a gritar, a se soltar mais como vocalista, coisa que ele nunca tinha feito e acho que a grande estrela nesse disco foi ele por causa disso.
8 – “Henrique”: Uma música do Gustavo para quebrar o ritmo do disco. Uma preocupação que eu sempre tenho é a quantidade de informação e barulho que tem nos discos da Lupe. Eu sei que já é muito barulho. Eu sei que já é muita guitarra. Mas tento intercalar com momentos de silêncio ao máximo que consigo. Essa música é um reflexo disso. Geralmente, o Gustavo traz essas músicas mais baixinhas e íntimas, e elas são muito necessárias para guiar o disco. Quando os meninos apresentam as músicas, eu sempre tento mapear quais são as pesadas, quais são as leves, onde que cada uma pode entrar ou como que eu tenho de produzir cada uma. É um exercício criativo cansativo, mas muito satisfatório. Eu adoro.
9 – “Sara”: Quando o Renan mostrou essa pra gente, os meninos da banda falaram “bicho, o Renan tá zoando, né”. Uma música sobre mitologias parecia algo que não tem nada a ver com o disco. Só que um dos meus trabalhos é ver o potencial das músicas desses loucos. Eu falei que “funciona se a música for como uma viagem de ácido ruim”. Inicialmente, o Renan não tinha entendido o conceito do disco ou resolveu ignorar o conceito, não sei. Só sei que essa música funcionou e nós adoramos ela. Acho que funcionou especialmente pelo nome. Sara virou sal por olhar os trabalhos de Deus quando ele destruiu Sodoma e Gomorra.
10 – “Fabiana”: É uma música gêmea de “Sara”, de “Ricardo” e de “Lorena”. Eu fiz essas quatro para compor o meio do disco com base na mesma repetição, com ritmos diferentes. Fabiana traz esse ritmo constante meio doido, meio contra intuitivo, meio eletrônico, quase como um disco arranhado. A letra é sobre envelhecimento. Patológico que eu esteja fazendo tantas músicas sobre isso, mas essa é sobre a perda de memória. Um problema que começa com a noia de não ter trancado a porta de casa, e que, no fim da vida, a gente já não se lembra de nada, confunde as coisas, movimento explicitado na letra ao confundir “estalar” e “estralar”.
11 – “Ricardo”: Talvez uma das melhores do disco. Jonathan destruiu nessa. Acho que a gente queria fazer uma mistura de Mukeka di Rato e Pixies. Acabou virando isso aí: Jonera gritando igual louco nesse tempo quebrado, depois chega o ritmo que a gente chama de “galeroso”. Tem nem o que falar. Música top demais.
12 – “Lorena”: A última da quadrilogia de repetições dos riffs e quebradas de batera. Chamamos a Lucia Vulcano pra cantar e ela encarnou um Cranberries na dobra das vozes, que eu achei a coisa mais linda do mundo. Eu fiz a letra novamente pensando nessas frases, igual acontece em Martina. No caso dessa é “não mais, pelo menos por enquanto”. Eu acho que essa frase é de alguma música do Arnaldo Antunes, de quem eu sou muito fã. Queria fazer uma música simples sobre alguém que não se adapta e que todos ao redor crucificaram, mas a pessoa não é a pior pessoa do mundo por ser quem ela é.
13 – “Clarisse”: Renan mandou essa música e falou “quero um metalcore”. Fizemos o mais próximo possível de um trash metal. Não sei se o Renan sabe exatamente o que é metalcore, talvez nem eu saiba, mas não é isso. Imagino que tentei me influenciar pelo Lamb of God, que eu ouvia quando era mais novo – até hoje eu acho bom os primeiros discos. O resultado acabou saindo uma coisa meio… Titãs? Inclusive é legal ver como cantar em português dessa forma agressiva lembra os clássicos nacionais: Mukeka, Ratos, Titãs. A gente às vezes passa por cima dessas grandes bandas por um complexo de vira lata.
14 – “Cauê”: Mais uma música meio Titãs? Acho que até o final dessa explicação, nós vamos ver que a grande influência do disco foi o Titãs. Sobre essa, não tem muito o que dizer porque pode dar problema. É sobre um artista fictício que transou com uma menina de 13 anos, quando ele tinha 40, e se utiliza de influências de uma banda acusada de estupro também de forma direta. Essa letra e essa música se explicam.
15 – “Beatriz”: Melhor música do disco pra mim. Jonathan novamente brilhando. Essa batera que gravei foi meio que composta lá na hora por mim, Fernando Bones e o Filipe Monteiro. A letra do Jonathan fala sobre coisas tão profundas e tão sutis. O baixo distorcido do Renan. A minha guitarra simulando um violino. As notas que o Gustavo toca no final da música. Para mim, entra no top cinco melhores músicas da Lupe de Lupe. A letra é perfeita, em especial “deitar nos seus braços e me arrepender, deitar nos seus braços e voltar a viver, vamos ficar sozinhos até o nosso corpo cansar”. Talvez seja o jeito mais poético de descrever a pessoa que chora depois de transar ou chora transando.
16 – “Dalila”: Uma preferida dos fãs. O Gustavo me mandou ela com voz e violão de nylon. Na hora, eu falei: “bicho, se bobear é só isso aí mesmo, só vou colocar umas guitarras ambientes e bora”. Novamente, uma música dele para entrar no ciclo final do disco. Uma música linda. Acho que às vezes a forma da gravação, da mixagem, da produção e do tema da música casam melhor do que outras, mas a gente não vai deixar de fazer elas só por causa disso. Beatriz e Dalila formam uma duplinha muito boa, que exemplifica a força da Lupe de Lupe em músicas “mais calmas”.
17 – “Carlos”: Renan fez essa sobre um amigo nosso que morreu. Não comentamos sobre isso. A produção foi bem tranquila e direta. Só fiz o necessário para conseguir diferenciarmos essa música de “Helena”, do ponto de vista sonoro. Deixei essa mais seca porque as duas vieram juntas e tiveram de ser apresentadas separadamente por serem similares. Um ponto da dificuldade da produção é isso: às vezes, os caras trazem algumas músicas muito parecidas, então é o meu trabalho diferenciá-las e tentar elevar o melhor de cada uma.
18 – “Gabriela”: Tinha um bom tempo que eu não fazia uma música de amor pra Lupe de Lupe. Quase uma década, se bobear. Então resolvi contar sobre esse sentimento de se apaixonar, querer sair por aí. Coloquei um tempero no meio com duas frases que peguei do blog de uma amiga sobre a gente sempre ser a segunda opção de alguém. Esse riff me lembrava demais “Cherub Rock”, do Smashing Pumpkins, então uma das lutas foi diferenciar esse riff da música deles. Se eu não me engano, a gente inverteu a batida da bateria para ficar mais diferente, mas sem dúvida, foi uma inspiração.
19 – “Lucas”: A letra mais “Lupe de Lupe” que o Jonathan já fez. Bicho, nem tem muito o que dizer que a letra já não fale. “Mais um sábado saindo de casa pra ver um povo bonito cantando aquela do Baiana System em um bairro gentrificado”. “Os festivais investem em diversidade até às duas da tarde, depois é hora do cantautor entrar: ele toca um tambor tranquilo para os ancestrais que mataram meus ancestrais”. Quando ele mandou a demo, nós ficamos de cara. O cara brutalizou. A frase no final “beija a boca da rua” é tirada de um negócio brega para carai que fizeram em BH, numa tentativa de atrair turistas para as áreas desvalorizadas do centro. Gentrificar é uma palavra mais real do que parece.
20 – “Jesus”: Uma dessas músicas do Gustavo que falam da paternidade. Ter filho realmente colocou em perspectiva a visão dele do mundo. Entre elas, estão “Terra”, “Salvador”, “Resplendor” – todas muito boas, não tem o que fazer. Essa eu tentei fazer uma bateria meio Strokes, que eu sei que o Gustavo é fã. Gosto especialmente do final, é uma dessas músicas que eu queria que fossem um pouco maiores, de tão boas que elas são. Mas é bom o exercício de não ter tudo que a gente quer o tempo todo. O coito interrompido pode ensinar algo ou não?
21 – “Marisa”: Essa já indica pro final do disco que é uma parte mais tranquila. Depois de passar pelas tempestades, vem a calmaria. Renan cantando sobre aleatoriedades da vida e novamente sobre uma morte. Ouvindo agora, eu tenho muito orgulho do nosso trabalho de guiar o disco até esse fim que é um pouco mais pacífico e menos bagunçado do que o resto do disco. Tem gente que gostou mais do final do que do início e do meio, tem gente que preferiu o início e o meio. Acho tudo isso muito lindo.
22 – “Melissa”: Novamente o Titãs. Fiz essa música pra filha do Gustavo que nasceu na Austrália que nem ele, mas é brasileira. O nome inicialmente era “Melissa nasceu na Austrália e é brasileira”. Uma brincadeira com os conceitos de fronteiras, nacionalidades e ancestralidades que acabou resultando numa música meio “Relicário” do Nando Reis, o Gustavo Scholz do Titãs. E meio American Football? Eu acho?
23 – “Letícia”: Outra música incrível do Jonathan. Cotidiana. Perfeita. A gente praticamente não gravou nada nela. As duas guitarras ele fez na doidera. Eu gravei a bateria e o Renan o baixo. Parece as músicas que eu produzi no primeiro disco do Jonathan, o Casa Vazia (2015) só que com um toque meio Lupe de Lupe das ideias.
24 – “Maria”: Finalmente recebemos uma música de amor do Gustavo Scholz. Depois de tantos anos escrevendo sobre histórias de outras pessoas, o cara chegou com essa cantando sobre o relacionamento dele. Tinha de ser a última do disco. Linda. Sincera. Meiga. Com um final digno de Lupe de Lupe. Foi necessário mais de dez anos de banda pro Gustavo, e a Lupe de Lupe, dizer “eu te amo”. Sinal de maturidade ou resgate de algo nunca descoberto? Não sei. Só sei que o Gustavo fala que é igual Pavement, o Jonathan fala que é igual Beatles e eu falo que é igual Oasis, então a demo chamava Pavement Beatles Oasis. Três grandes influências dos meninos. Muito orgulho de todos nesse disco. Que venha o próximo com mais aventuras pra gente e pra vocês que ouvem a gente.
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