Gabriel de Aquino, 37 anos, é músico, violonista e tem o Rio de Janeiro como pano de fundo de sua trajetória. Atualmente, o artista toca com nomes como Martinho da Vila, Roberta Sá e João Cavalcanti. Mas uma das suas primeiras experiências como músico começou ainda na adolescência acompanhando Elza Soares.
Criado em um lar musical, Gabriel de Aquino é filho de João de Aquino e primo de Baden Powell. Seu pai, João de Aquino, foi violonista e compositor e, além de sua discografia própria, trabalhou com importantes nomes da música brasileira, como Elza Soares, Martinho da Vila, Zezé Motta e Cartola. Já Baden Powell, primo de João e Gabriel, era compositor e um dos maiores violonistas do mundo, título conquistado por tocar de uma forma única e inesquecível. Foi com a influência de casa que Gabriel entendeu a importância da música em sua vida desde cedo. “A partir do momento que comecei entender o mundo, eu já tinha a música comigo. A música é uma coisa que me completa, é de corpo e alma”.
Apesar de ter João de Aquino e Baden Powell, além de outros músicos notórios frequentando sua casa, Gabriel ressalta que eles eram, antes de tudo, o seu pai e o seu primo. Na infância, ele não compreendia muito bem a relação deles com a música. “Eu fui criado com meu pai tocando violão em casa. Para mim, isso era normal, achava que todo mundo fazia isso em casa. A primeira vez que eu dei conta de quem meu pai era foi em uma festa. Eu sentia que a galera tratava ele diferente e sempre tinha uma onda de pedir para ele tocar, de falar dos trabalhos que ele estava fazendo e foi aí que eu percebi que tinha algo acontecendo”, relembra.
Já Baden inspirou Gabriel seguir no violão de forma profissional ao surpreender o garoto com sua maneira incomparável de tocar. “Minha virada para começar a tocar violão foi escutando um disco do Baden. Meu pai era colecionador de vinil e comprou um vinil do Baden que foi lançado na França [Baden Powell Quartet Vol.3 (1970)]. Esse vinil tem uma gravação da música ‘Lua Aberta’. A primeira vez que eu ouvi esse negócio, eu fiquei apavorado. Eu fiquei muito surpreso com a forma que o cara estava tocando o instrumento e questionei para o meu pai quem era. Nisso, meu pai disse que era meu primo. Eu lembro que questionei se aquilo era violão e se podia tocar violão daquela forma. Quando meu pai afirmou que sim, eu falei que queria tocar. Meu pai falou: ‘Tocar violão assim, você pode, mas é muito difícil’. Eu disse que ia tentar, e tô tentando até hoje”.
Apesar de a música ser introduzida desde cedo na vida de Gabriel Aquino, ele confessa que ter o histórico de músicos na família gerou uma pressão no momento de seguir esse caminho. “Crescer em uma família musical é um grande privilégio e uma grande responsabilidade. Assim como é muito legal e honroso pertencer a uma família que tem tanta história na música e é importante para a estética sonora do instrumento, é uma grande responsabilidade. Não dá para ser uma coisa mais ou menos. Não dá para ser uma ligação superficial, não dá pra tocar de bobeira”.
“No início era assustador”, relembra. “Independente da minha idade, as pessoas sempre me cobravam de forma intensa porque era um Aquino que estava tocando. Com isso, eu tinha que tocar bem. Eu era uma criança bem preocupada, ficava com receio de errar. Mas hoje em dia eu acho ótimo, eu aprendi a conviver bem com a pressão. Sei que eles têm uma história brilhante na música e não é sobre escalonar, é sobre participar. Então, sigo minha caminhada dentro da minha possibilidade e capacidade”, conclui.
Escola, praia e turnê
Gabriel de Aquino confessa que não gostava da escola. Aprender sobre Física e Química pode ser entediante quando você passa grande parte do seu tempo tocando com ícones da música, como Elza Soares e Martinho da Vila, que era o que ele fazia por volta dos 16 anos.
“Eu tive uma conversa com a minha mãe, [dizendo que] eu sempre fui muito rebelde e eu já sabia que ia ser músico e o colégio não era comigo. Minha mãe falou que eu poderia fazer o que quisesse, mas que eu devia, pelo menos, um ensino médio para ela. Terminei a duras penas, da maneira mais rápida que eu consegui encontrar, fiz um supletivo para adiantar tudo. Depois, fui fazer minha faculdade com o Martinho e com a Elza”.
A troca com os músicos começou muito antes da relação profissional. Por conta da relação musical com João de Aquino, antes de serem parceiros profissionais, eles eram reconhecidos por Gabriel como tios que frequentavam a sua casa e, ocasionalmente, cantavam. “A Elza é um daqueles fatores familiares que eu tive o privilégio de poder contar com ela na minha casa. Tenho lembranças ainda de pequeno dela como uma tia, uma tia que cantava”.
A parceria com Martinho da Vila começou sem ele saber. O sambista questionou João sobre a possibilidade de indicação de um novo violonista para acompanhar a banda, o que o músico prontamente respondeu: “Tem meu filho”. Aos 16 anos, convidado por seu pai para ir tocar para Martinho, sem saber que era uma audição, mas estranhando os pedidos do músico, Gabriel de Aquino passou no teste. “Eu achei estranho meu pai me falar que o Martinho queria me ouvir tocar, mas eu fui. Chegando lá ele pediu para eu tocar diversas músicas e, quando acabou, ele falou que a produção ia entrar em contato comigo. Era para eu participar como violonista da gravação do DVD O Pequeno Burguês!! (2008). Eu fiquei em pânico. Nas primeiras vezes, foi assustador. Mas depois foi maravilhoso. O Martinho é um grande mestre”, conta Gabriel.
Com Elza, a história foi parecida. A ponte feita por seu pai se estendeu para a relação de Gabriel com a cantora. Foi na gravação de um DVD que a parceria começou e ela continuou até os últimos dias da artista. “Eu tinha 14 anos e a Elza estava gravando um documentário [Elza (2009)] sobre a vida dela. Ela chamou o meu pai para participar da gravação, e ele me convidou para tocar. Eu treinei algumas coisas e participei. Depois ela ficou rodando com outro projeto e ficamos um pouco distantes. Quando eu estava quase completando 18 anos, ela chamou meu pai para fazer o show Arrepios (2009), e meu pai me chamou. O show foi ótimo, e eles quiseram lançar um disco, que está gravado, mas está engavetado. A partir daí, sempre que a Elza queria gravar algo, ela me chamava e sempre era maravilhoso. Além de poder estar tocando e aprendendo com ela o tempo todo, era tudo sempre muito afetuoso, delicado e carinhoso”.
Ensinamentos de Elza
Gabriel ressalta que foi com Elza Soares que ele aprendeu o que a arte é capaz de fazer. “Ela me ensinou o poder da arte. Se você acreditar no que você faz e entender o que você consegue mover com isso, você vira um cometa e ninguém consegue te segurar. A Elza é extremamente importante para mim em diversos sentidos. Fora o respeito estético que eu tenho por ela, na questão da afinação, voz, e tudo que ela é, a questão pessoal dela é incrível. Ela é uma super-heroína que passou pela Terra. É muito bonito ter participado de alguma coisa na carreira da Elza”.
Lançado no dia 23 de junho de 2023, o disco No Tempo da Intolerância foi disponibilizado na data em que Elza Soares completaria 93 anos. O projeto foi gravado pela artista entre julho de 2021 e janeiro de 2022 e traz reflexões ligadas às diferenças sociais, à ancestralidade e aos direitos das mulheres, além do violão de Gabriel.
“Este disco é um documento que vai ficar para a posteridade. As letras que têm nele são profundas e importantes. Nós passamos horas no estúdio, ela gravou heroicamente essas vozes. O canto era o grande mecanismo de defesa e de ataque que ela tinha. Ela mudou o mundo com a voz dela. O mundo dela, da família dela e o nosso mundo. Pautas importantíssimas foram colocadas em foco por ela. A Elza sempre foi uma pessoa de vanguarda, ela sempre se portou de um jeito nobre e bonito”, ressalta.
Gabriel de Aquino coloca em prática o ensinamento de Elza de potencializar a arte. Educado pelos palcos, o artista compartilha quais lugares ainda deseja chegar. “Eu tenho vontade de tocar com o Gilberto Gil e o Djavan. Não posso falar que seria inacreditável, porque já aconteceram coisas inacreditáveis comigo, o inacreditável é uma questão de perspectiva. Mas tocar com eles seria incrível”.
Esta matéria foi publicada originalmente na edição 140 da revista NOIZE, lançada com o vinil de No Tempo da Intolerância, em 2023.