Depois de uma estreia elogiada, o Primavera Sound retornou à capital paulista no último final de semana, 2 e 3 de dezembro. A troca de empresas na produção do evento, Live Nation pela T4F, levou o evento ao Autódromo de Interlagos, espaço que será usado nas edições dos próximos dez anos. (Falamos da mudança neste especial sobre festivais). Em 2024, o festival acontecerá entre 30 de novembro e 1 de dezembro, e a venda dos ingressos começa nesta quarta-feira, 6/12.
Em sua segunda edição, o evento teve um line-up mais enxuto, porém garantiu o público de bandas gringas que ano a ano continuam fazendo sucesso no país, como o The Killers, que tocou no Allianz Parque em novembro do ano passado. Não à toa, o festival ficava cheio apenas a noite, mas ainda assim, não haviam filas extensas ou problemas para transitar entre os três palcos.
Neste ano, a programação foi menos ousada, porém acertou ao escalar alguns ídolos que atravessam gerações, caso de Marisa Monte, Pet Shop Boys e The Cure. Dos nacionais, destacou nomes que lançaram discos em 2023: ÀIYÉ, Filipe Catto, Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, e Mateus Fazeno Rock. No entanto, por conta do calor da hora do almoço e da falta de sombra em Interlagos, o público era tímido nos primeiros shows do dia. Água, chapéu e protetor solar foram distribuídos gratuitamente, mas a temperatura era amenizada somente à noite.
Não faltaram bons shows ao longo dia, e em geral, havia um clima menos pop do que rolou em 2022. A tenda de música eletrônica agradou quem foi conferir os sets de L_cio, Vhoor, Kl Jay e Carola. A arena com arquibancada comportava 700 pessoas, então as filas aumentavam nos sets mais concorridos, como no domingo, antes da apresentação do DJ MU540 com a cantora Urias.
Já o rock em suas várias facetas estava bem servido, seja pelos estreantes no país – Black Midi e Soccer Mommy, ambos em evidência no indie internacional. Ou nos repetecos de bandas que já estiveram por aqui em outras ocasiões: The Hives veio pelo Lollapalooza, Beck tocou no saudoso Planeta Terra e Slowdive no Balaclava Fest. Fora eles, o Bad Religion já esteve mais de dez vezes por aqui, assim como o El Mató a Un Policía Motorizado.
O forró eletrônico de Getúlio Abelha e o art pop da Róisín Murphy trouxeram o experimentalismo presente na essência da matriz catalã, cuja 22ª edição ocorrerá entre maio e junho do ano que vem, em Barcelona. Se em 2022 o fator novidade movimentou a curadoria, convidando artistas como Mitski, Arca e Jessie Ware, este ano foi a nostalgia que permeou a seleção de artistas.
Veja a nossa lista de 10 shows que marcaram a segunda edição do Primavera Sound São Paulo:
Sábado (2/12)
Cansei de Ser Sexy
Teve chuva de meme no telão, rolou samba no pé e até choro generalizado na plateia. Após quatro anos fora dos palcos, o CSS estreou um novo formato de apresentação, que deve ser replicado no show confirmado no festival Kilby Block Party, em maio de 2024, no estado de Utah, nos EUA – faz 11 anos que elas não tocam por lá.
No setlist deste sábado, tocaram músicas do disco homônimo de estreia, de 2005, La Liberácion (2011) e Planta (2013) – pularam apenas o Donkey (2008). O carisma do quarteto, que conta agora com Chuck Hipolitho na bateria, permanece intacto. O show do Cansei é uma celebração da comunidade queer, um espaço seguro para mulheres esquisitonas, quase como uma festa onde você reencontra pessoas queridas ao som de “Alala” ou “Let’s Make Love and Listen Death from Above”.
Para introduzir “City Grrrl”, que contou com slideshow de fotos do público, Lovefoxxx dividiu uma mensagem emocionante. A letra fala do início da vida adulta, mas hoje em dia, ela vai além, como a vocalista pontua: “Eu achava que dava para ser City Girl só uma vez na vida, mas não. Achava que essa música fosse sobre começos, mas ela também é sobre recomeços. Obrigada por serem pessoas delicadas e esquisitas. Eu preciso de vocês convivendo comigo nesse planeta. Desejo sorte, paciência e coragem”. Lágrimas rolaram em plena luz do dia.
Kelela
Na última vez que esteve por aqui, para um show no Balaclava Fest, na Audio Club, a cantora trouxe bailarinas e o repertório do disco Take Me Apart (2017). Contudo, as poucas pessoas que viram o show do último sábado tiveram uma experiência diferente. Vale ressaltar que o horário da americana coincidiu com Marisa Monte, e o som vazava entre os palcos, prejudicando o clima proposto por Kelela.
Convocada após o cancelamento da Grimes, a artista apresentou as faixas do excelente Raven (2023), canções ainda não lançadas e remixes de faixas antigas – caso de “Contact” e “Waitin”. Acompanhada por um DJ, que permaneceu nos bastidores, ela conduziu a apresentação sozinha no palco. Entre músicas, declarou que 30% das marcações no Twitter estão em português, e como uma artista marginalizada na música eletrônica, se sente muito feliz pela fanbase brasileira. A relação com o país não é recente, inclusive, ela já colaborou com MC Bin Laden, Linn da Quebrada e Badsista.
Marisa Monte
O Primavera não colocou o nome dela no topo do line-up, mas a cantora entregou show de headliner. Marisa levou o visual da turnê com o disco Portas (2022) ao festival, cujo palco traz projeções imersivas, quase como se a banda ficasse posicionada dentro de um cubo de LED. No final de novembro, lançou o disco ao vivo Portas Raras com algumas versões apresentadas nos shows.
O repertório com músicas do último disco é incrementado com hinos como “Infinito Particular”, “Amor I Love You” e “Beija Eu”. Para o bis, surpreendeu ao convocar Roberto de Carvalho, guitarrista e viúvo de Rita Lee, para “Doce Vampiro”, “Mania de Você” e “Já Sei Namorar”.
Pet Shop Boys
Formado na década de 1980, o duo composto pelos ingleses Neil Tennant e Chris Lowe fez o show mais classudo na noite de sábado. Perto dos 70 anos, a dupla animou a festa e fez uma multidão dançar ao som do synth pop vigoroso, tocado pelo tecladista, acompanhado da banda, que se dividia nos sintetizadores, guitarra, percussão e backing vocals.
Foi um espetáculo visual à parte: o painel modulável escondia os músicos, deixando apenas Neil e Chris em evidência, em outros momentos ele subia e revelava a banda. A cada faixa, as imagens alternavam entre pedaços de videoclipes, como em “West End Girls” ou repetiam padrões, no maior clima clubber, como em “Domino Dancing”.
The Killers
Brandon Flowers, vocalista da banda de Las Vegas, é um showman. Ele pode ter vindo diversas vezes ao país nas últimas duas décadas, mas continua se entregando a cada noite como se fosse a última vez que cantaria “Mr. Brightside” ou “Read My Mind”. Grande parte do setlist é formado por músicas dos três primeiros discos: Hot Fuss (2004), Sam’s Town (2006) e Day & Age (2008). O clima esfria quando tenta incluir músicas mais recentes, como “The Man”, de Wonderful Wonderful (2017).
Da formação original, resta apenas o baterista, Ronnie Vanucci. Quando o grupo convidou um fã para tocar bateria em “Reasons Unkown”, e o rapaz estava num tempo mais lento do que o resto da banda, Ronnie disse no microfone que “é mais difícil do que parece”. Esse é o clima do The Killers, aquele tipo de farra que, no fundo, todo mundo gosta: fã no palco, hit de 2004 e um vocalista 100% emocionado.
Domingo (3/12)
Filipe Catto
O domingo começou com o show tributo a Gal Costa, Belezas São Coisas Acesas por Dentro, que ganhou um disco no final de setembro. Nele, Catto mergulha no repertório da cantora baiana, pincelando as composições que mais se identifica no repertório da Gal: “Esotérico”, “Lágrimas Negras” e “Vaca Profana”.
No palco, ela canta acompanhada do power trio formado por Michelle Abu (bateria), Gabriel Mayall (baixo) e Fabio Pinczowski (guitarra). Nem o calor e o sol frearam a bruxaria comandada pela artista.
Soccer Mommy
Pela primeira vez por aqui, Sophia Regina Allison, a mente por trás do Soccer Mommy, fez um show morno, sem grandes interações com o público. Entretanto, se faltou animação, ela compensou nos solos de guitarra e versões estendidas de músicas como “Circle the drain”.
Expoente do indie rock americano, ela vem chamando atenção da mídia internacional desde o primeiro álbum, For Young Hearts (2016). No setlist do Primavera, claro, não poderia ficar de fora “Your Dog”, sua música mais famosa, uma balada melancólica do elogiado disco Clean (2018).
O disco mais recente, Sometimes, Forever (2022), foi produzido por Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never), adicionou uma nova paleta de sons ao repertório da compositora e guitarrista. Apesar disso, faixas como “Shotgun”, cuja versão gravada conta com camadas de sintetizadores, não brilham com tanta intensidade no ao vivo.
Carly Rae Jepsen
Em sua segunda vez no Brasil – a primeira foi em 2013 –, Carly Rae Jepsen trouxe o melhor do pop chiclete para a tarde ensolarada do festival. Ela é uma diva de boa, não é estourada como a Lorde, por exemplo, mas conta com bons discos e uma porção de faixas dançantes. No início da década passada, ela viralizou com “Call me Maybe”, música que ainda integra o seu setlist.
Acompanhada de backing vocals, e banda completa, a canandense fez o autódromo tremer com as músicas do disco Emotion (2015): “I Really Like You” e “Run Away With Me”. Com direito a três chuvas de papel picado, ela emendava as mais agitadas, e costurava o setlist com as músicas dos discos mais recentes – The Loneliest Time (2022) e The Loveliest Time (2023). “Psychedelic Switch”, por exemplo, tem potencial radiofônico.
Marina Sena
Mais segura, mais sexy e mais debochada, Marina Sena fez um dos shows mais interessantes desta edição. Focando no repertório de Vício Inerente (2023), ela soube aproveitar o corpo de baile, alternando os momentos com coreografias e outros mais intimistas. Acima de tudo, é uma apresentação dinâmica. A cantora carismática declarou que se ela não estivesse no palco, provavelmente estaria na galera porque o Primavera é o tipo de festival que ela gosta.
Isso diz bastante sobre a artista, que ainda que tenha feito feat com a Juliette, ela mantém uma veia alternativa, fazendo parceria com Fleezus, um dos expoentes do grime no país. O show trouxe a versão piseiro de “Ombrim”, música gravada na época do Rosa Neon e indispensável para embalar o verão. E a sua leitura do funk ressoa em “Mais de Mil”.
Em “Dano Sarrada”, baixou a inspiração em Rosalía, da era Motomami (2022). Além da handycam direto do palco, uma plataforma móvel surge para acomodar os bailarinos, que criam uma espécie de escultura humana, inspirada no trabalho da diretora criativa da catalã, a fotógrafa Carlota Guerrero. Ainda que exista uma certa referência, a versão brasileira é muito mais safadinha com direito a sarradas no ar.
Para fechar o repertório, ela revisitou algumas músicas da estreia, De Primeira (2021): “Me Toca”, “Por Supuesto” e “Voltei Pra Mim”. Acompanhada de bateria, guitarra, baixo e sintetizadores, Marina não dá ponto sem nó, tudo está bem amarrado e posicionado para valorizar as suas composições. Em “Mande um Sinal”, faixa com arranjo mais convencional, onde sua voz está em evidência, sem auto-tune ou efeitos, ela se sentou no palco para cantar olhando os fãs da grade. Logo em seguida, disse que estava com saudades de tocar violão e que voltaria para a MPB.
The Cure
Se no dia anterior, a animação do vocalista do The Killers quase o fazia sair voando, o inglês Robert Smith parecia sisudo, mas não menos interessado, afinal são estilos diferentes de som e personalidades. Vestindo uma camiseta do Brasil, ele disse que evitaria falar porque achava que as pessoas não o entenderiam.
Formada na virada da década de 1970, a banda esteve quatro vezes no país, e mantém um público fiel de pessoas apaixonadas no som gótico e atmosférico. Não faltavam famílias uniformizadas ao longo do dia, então a expectativa foi se acumulando até o horário do show, que iniciou-se com pontualidade britânica e se prolongou durante duas horas e meia. O último bis trouxe as faixas mais conhecidas, “Boys Don’t Cry” e “Friday I’m In Love”.
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