Segundo Romulo Fróes, nem sua família sabe que ele é músico. No entanto, nos últimos meses, uma sequência de fatos tem jogado uma boa quantidade de luz sobre o compositor paulista, como o lançamento de seu aclamado terceiro disco, o duplo No Chão Sem o Chão (2009), e o entrevistão que o cara deu, entre goles de cerveja, à turma do Scream & Yell. “Me considero um sujeito bem-sucedido”, afirma, sempre que entra em jogo o papo do mercado musical. Talvez por isso ele tenha sido escalado tanto para a programação musical do Conexão Vivo quanto para o ciclo de debates que integrou a 10ª edição do festival, em Belo Horizonte, no mês de abril.
A entrevista a seguir repete algumas coisas que haviam sido ditas pelo Livio e por Mac e Agostini. Mas foi um papo rápido e atencioso da parte de Romulo, entre outras tantas entrevistas pós-show e a tentação de assistir ao show do pernambucano Eddie, que tocaria em poucos minutos. Por sorte, o cara sempre tem algo legal para falar.
Texto: Fernando Corrêa / Foto: Eugênio Vieira
Eu tinha lido no Bloody Pop que você estava trabalhando num outro disco
É, eu já até gravei ele, quer dizer, precisa fazer voz, mas a base foi gravada toda ao vivo, já foi. Quero ver se eu lanço neste ano ainda.
Assim, tão rápido?
É, cara! Porque eu acho que tem que ser assim, meu disco já é velho. Lancei um disco duplo há menos de um ano e [vou fazer show e] a galera fica “e aí, vai tocar música inédita?”. O Catatau (Fernando Catatau, Cidadão Instigado) fala “meu, acabei de lançar um disco e neguinho fica querendo música inédita”. Mas é assim, é muito [estala os dedos, denotando rapidez], e eu gosto de gravar disco, tenho muita facilidade pra compor. Acaba que faz parte mesmo, você estar movimentando e se mostrando.
O No Chão Sem o Chão também foi gravado nesse esquema, ao vivo + voz?
Ao vivaço, e teve dois momentos, né, por isso aqueles nomes, Sessão 1 Cala Boca Já Morreu e Sessão 2 Aprenda a Ficar Quieto, porque foram duas sessões mesmo, 4 dias no primeiro e 5 no outro, ao vivaço que é como eu gosto de gravar. Aí depois cê entra num mundo que não pertence a você, que é quando o estúdio vai tá vago pra você mixar, quando o estúdio vai tá vago pra você botar voz. Parece que é muito rápido, é muito rápido, mas depois tem um negócio que vai passando. O estúdio é de graça, mas tem que esperar a hora que ele vai tá vago. A Yb, minha gravadora, tem um puta estúdio fodaço, então eu gravo meu disco do jeito mais pró que existe, que nem o Cateno Veloso e não sei o que, e isso é o grande barato de pertencer ao selo. Mas os caras não ganham dinheiro com a gente, então a gente tem que esperar nossa vez.
E você aproveitou que tinha músicas compostas e se agilizou…
Não, eu marquei três meses antes “ó, marca aí quatro dias em abril que eu vou lá”, aí quatro dias em abril a gente foi lá e fiuuu, gravou 14 músicas.
Então o próximo é um disco só?
Um disco só, a piada é se eu vou fazer um disco triplo, né (risos). Tem uma novidade, que é o Rodrigo Campos, que entrou pra banda e compôs comigo. O Rodrigo lançou um dos grandes discos do ano passado, que é o São Mateus Não é um Lugar Assim Tão Longe. É um cara de São Paulo que faz um negócio de samba muito bonito, eu acho que o samba vai entrar forte de novo, mas de um outro jeito, um jeito mais venenoso, menos melancólico, sabe? Porque ele vem de um lugar mais… pagode, mais Cacique de Ramos, um cavaquinho muito foda, tô bem animado com o que pode rolar.
A pilha geral vai ser samba, mas como entram as guitarras?
Isso, o cavaquinho tem que dar conta da guitarra, mas a guitarra, mais ainda, tem que dar conta do cavaquinho. Tem uns baratos muito legais de naipe de guitarra e cavaquinho, tem umas paradas bem legais. Mas enfim, vamos ver, o disco precisa sair pra saber o que ele vai virar, né… o outro disco é duplo porque, justamente, ele demorou pra sair, o som mudou, aconteceu outra coisa e eu falei “ah, vou lançar os dois, porque eu quero contar o percurso.
E tocar só músicas do No Chão [no show do Conexão Vivo] tem a ver com o quê? Você vê os discos como obras estanques, que não se misturam ao vivo?
Cara, tem uma coisa mais prosaica, que é não ensaiar tanto, e esse show tá ensaiadaço. Mas [nos shows do] meu quarto disco, eu quero pinçar músicas dos meus quatro discos, pela primeira vez! É sempre uma coisa que você vai fazendo, eu comecei a ter uma banda de rock ‘n’ roll porque eu comecei a tocar em inferno da Rua Augusta, não dava pra tocar sete cordas e clarinete lá, eu tentei, mas não dava. Então beleza, vamos tocar guitarra. As coisas vão te levando, vão fazendo você mudar…
Eu priorizei as coisas mais pesadas e mais roqueiras por conta de ter uma galera na minha frente, né. Às vezes, quando eu toco num lugar pequeninho, baixinho, sentadinho, aí eu caço outras músicas mais na manha, não vou soltar guitarra na cara das pessoas… solto também, mas…
E você já tinha tocado rock ‘n’ roll em algum momento da sua vida? Quer dizer, de onde vem essa influência…
Não, ah, banda de adolescente… Minha influência de rock ‘n’ roll vem da música brasileira, eu sempre tive porque eu sou influenciado pela música brasileira, e esse disco era um pouco pra mostrar isso: “moçada, eu não sou sambista”. Eu faço samba, eu amo samba, mas eu não sou sambista. Eu gosto do [Jards] Macalé, que faz rock, mas um rock diferente, gosto do Caetano, Gil, Nelson Cavaquinho. Era um pouco pra dizer isso, “posso fazer o que eu quiser”. Aí No Chão, por acaso, teve um acento mais rock ‘n’ roll por conta de querer ir contra o sambista que tava pegando em mim. Mas nesse disco agora tem rock ‘n’ roll também, a música brasileira é toda minha, eu me sirvo dela. Posso fazer um disco de baião; eu tenho vários frevos, a gente tem vontade de lançar um disco só de frevo, “ah, é um som de Recife, não posso”, lógico que eu posso, é do Brasil, é meu e é isso.
E isso é uma característica do momento…
Eu acho que essa geração é assim, porque é uma geração meio abandonada, então você faz o que você quer, e se você faz o que você quer sem que ninguém queira que você faça, você faz porque você precisa, você vai se restringir? Vai fazer só hardcore? Não, fazer tudo, velho, brinca aí. A gente ouve tudo, a gente gosta de tudo, a gente não deve nada para ninguém no sentido de pagar tributo, e nem nega também.
O cão é uma figura recorrente, você tem uma certa fixação nessa figura?
É, tem uma fixação qualquer, o cão é uma figura muito forte em artes plásticas também, é uma figura livre. O cão que eu falo é o cão vira-lata, né, o cara que se fode, mas não deve nada a ninguém, vai pegando um resto daqui, né… O Nelson Cavaquinho era um cachorro, um vira-lata…
É um resgate do malandro?
Não, não é malandro, o cão não é malandro, velho, o cão se fode! O cão tem caráter, ele pega esmola, mas a esmola que ele quer. Se você der coisa ruim pra ele, ele não vai comer. É um cara livre, que não tá preso às amarras. É o Nelson Cavaquinho, cara, o bebaço que saía de casa e ficava três dias na rua, dormindo na praça, comendo no hotel, vendia samba pra pagar hotel. Um sujeito, como o Paulinho da Viola fala, que ele só fazia o que queria, é o cara que só faz o que quer. E esse cara não sou eu, óbvio, eu sou um cara que tem que lidar com um monte de coisas da vida, não sou o Nelson Cavaquinho. Mas a figura do cão é muito forte, e é uma figura bonita, enfim.
O Vitor Ramil tem um disco chamado Ramilonga, que ele lançou junto de um livro, A Estética do Frio, em que ele fala que, como gaúcho, ele nunca conseguiu se identificar plenamente com o sentimento de brasilidade que ele conheceu, principalmente, quando morou no Rio de Janeiro. Você percebe essa divisão, que a pluralidade musical do Brasil só vai em comunhão do norte até o sudeste?
Cara, então, eu moro em São Paulo, e São Paulo não tem cara, é a cara do Brasil. Eu sou filho de baiano com mineira, já tá tudo errado, e eu acho que a nova música brasileira tem a ver com isso, o povo de Recife chegando em São Paulo e influenciando São Paulo loucamente, e São Paulo influenciando os caras. Eu sempre falo que a Karina [Buhr], que lançou o disco [Eu Menti Pra Você]—to amando, acho o disco foda—, ela não lançaria esse disco se estivesse em Olinda. Em Olinda era Comadre Fulozinha; São Paulo é que botou veneno em algum lugar. E eu não lançaria o meu disco se eu não tivesse convivido com a Karina, o Catatau, que é uma figura importantíssima em São Paulo, o cara lá do sertão do Ceará, o Catatau não faria as coisas que ele faz se ele continuasse no Ceará.
Então é lógico que influencia, mas eu pertenço ao lugar do Brasil que talvez não tenha algo parecido, essa coisa de túmulo do samba, eu acho que São Paulo tem a cara que o Brasil dá pra ele. O Rio Grande do Sul não é Brasil, né, ele é mais Argentina… é um caso curioso, acho que o Vitor tem razão no que ele fala. Mas mesmo de lá, a galera tá vindo e tá se misturando, e São Paulo é o lugar em que isso acontece. Eu queria que acontecesse no Brasil inteiro, mas enfim…
E qual o valor de tocar num festival como esse [Conexão Vivo]? A maior parte do público provavelmente pouco tinha ouvido falar de você…
Pois é, e isso é do caralho, tem um monte de gente aqui que vai sacar alguma coisa. Por outro lado, eu percebi umas 20 pessoas que sabiam também. E aí eu fico feliz pra caralho de vir a Belo Horizonte e ter umas caras que eu nunca vi cantando Anti-Musa decor. Olhei e falei “porra!”, ou quando olhei e falei “vou tocar anti-musa” e a galera “aêêê!”. Tem as duas coisas: tem você ver as 20 pessoas que gostam de você em Belo Horizonte, que é do caralho pra você, e tocar pra mil e não sei quantas que bateram palma, que respeitaram, que ouvira. Hoje é um dia perfeito, você vem de São Paulo, com a sua banda, toca um puta som, pra um público grande. Quer dizer, esse é o que deveria ser sempre, ainda não é, mas talvez seja.
Cara, pra fechar, que três álbuns você considera fundamentais na sua formação musical?
O primeiro do Macalé, é fundamental. O Elis & Tom. E o Clube da Esquina. De álbuns, né, porque tem artistas muito mais importantes pra mim, como o Nelson Cavaquinho, mas ele não tem um álbum, ele tem uma obra. Acho que esse três álbuns falam muito sobre mim, o Elis & Tom, o primeiro do Macalé, que acho que não tem nem nome, chama Jards Macalé mesmo, de 72, que é o Lanny [Gordin], o Tutty [Moreno] e ele mesmo, e o Clube da Esquina, uma obra prima.